A gestão empresarial da política municipal de Belo Horizonte: o caso da PBH Ativos

Como o modelo empresarial de gestão urbana leva a transferência de riquezas do setor público para o privado e afeta a experiência democrática nas cidades.

Imagem projeto Nova BH / 2013
Prefeitura de Belo Horizonte
Datada de 25 de novembro de 2010, a lei nº 10.003 “autoriza a criação de sociedade sob o controle acionário do município de Belo Horizonte (…), sob forma de sociedade anônima, a qual funcionará por tempo indeterminado” e, em 09 de junho do ano seguinte, institui pelo decreto 14.444 o estatuto social da PBH Ativo. A empresa, conforme descrito em sua página de internet, tem por missão auxiliar a Prefeitura Municipal na articulação e operacionalização de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico e social do município, por meio i) da gestão de obra de infraestrutura; ii) da instituição de parcerias públicos-privadas; iii) da captação de recursos financeiros; iv) da administração patrimonial; v) da gestão de ativos e de imóveis.

O descrito no decreto 14.444 demonstra quais os limites que a empresa PBH Ativos vai atuar e o que se constata é a violenta entrada na prática pública do município. Ao titular, administrar e explorar economicamente os ativos da prefeitura, primeiro ‘objeto social’, a empresa irá gerar riqueza a partir de recursos públicos, investindo ou deixando de investir orientada apenas pelas necessidades impostas pela lógica do lucro. Quando se descreve seu “auxílio” para gerenciar ou realizar obras licitadas ou de infraestrutura e de serviços urbanos, a própria lei complementa que a empresa deverá “sempre que possível obter ganho econômico”. Fica ainda claro o movimento contemporâneo de articulação do capital financeiro com a prática da política municipal quando se delimita o auxílio à captação de recursos financeiros no mercado[1], gerando assim o sistema de dívida, sendo que o setor público assume todos os riscos – em moldes fadados ao fracasso, como o caso da Grécia.

Assim, deixa-se evidente a intenção da política urbana mimética ao modelo do mercado: seu objetivo é garantir lucro para remunerar os investidores.

Esta empresa, que objetiva dar lucro acima de tudo, é criada sob a forma de uma Sociedade Anônima, incluindo a participação não apenas de empresas da prefeitura, como a BH-TRANS e a PRODABEL como sócio-minoritárias, mas também de pessoas físicas, como demonstra a tabela a seguir da Lei 10.003:

TABELA 01: DISTRIBUIÇÃO ACIONÁRIA DESCRITA NA LEI 10.003

Isso significa que parte dos lucros das empresas é compartilhado com pessoas físicas. Ainda deve ser destacado que a distribuição acionária apenas aparece como documento público na lei de criação da empresa, sendo que, desde então, não foram encontrados documentos que demonstrassem sua atualização[2]. Depois que foi baixado o decreto de número 14.444, de 9 de junho de 2011, que, no seu artigo quinto, aumenta para o limite de 20% do capital social a presença de pessoas físicas e jurídicas do direito privado na empresa, é improvável que a lista não tenha tido mudanças. Ou seja, não é de conhecimento do público de Belo Horizonte aqueles responsáveis por aplicar e coordenar grande parte das novas políticas urbanas para a capital mineira, muito menos sabemos dos seus vínculos com empresas ou seus interesses por detrás desta estrutura financeira construída.

Não é de conhecimento do público de Belo Horizonte aqueles responsáveis por aplicar e coordenar grande parte das novas políticas urbanas para a capital mineira

Dessa forma, o capital social da empresa, criado sobretudo a partir do orçamento público, vai remunerar acionistas desconhecidos como pessoas físicas e jurídicas privadas e que podem usar a PBH Ativos S/A para enriquecimento próprio, às custas do poder público. Além disso, nada garante que decretos futuros não possam aumentar ainda mais a participação de entes privados na empresa pública, radicalizando o empresariamento da esfera pública de Belo Horizonte.

[2] Deve ser ressaltado que o grupo de pesquisa da UFMG Indisciplinar e o movimento Auditoria Cidadã da Dívida acompanham esse processo e não encontraram também qualquer informação referente a esses dados mais atualizados, em especial depois do decreto 14.444.

Isso é ainda mais evidente quando considerado o aumento do capital da empresa. Como escrito na lei de criação, o capital da empresa era de R$ 254.974.385,83. Mas, ao longo de cinco anos, aconteceu um crescimento de mais de 300%, como consta no relatório financeiro de 2015, que coloca como capital da empresa o valor de R$ 1.180.207.000,00. Esse valor chegou a essa dimensão a partir de investimentos diretos da prefeitura, como aportes em direito, concessão de créditos a receber e transferências de terrenos públicos, como observado na tabela a seguir[3].

TABELA 02: INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL PELA PREFEITURA

A prefeitura transferiu créditos do Programa de Recuperação Ambiental de Belo Horizonte (DRENURBS) para a PBH Ativos S/A. Esses créditos provêm de negociações com a COPASA pela cessão de exploração de água e esgoto no município. Parte desses recursos deveriam ser usados em ações de saneamento. Outro aporte à companhia veio por meio de créditos tributários (como o IPTU, ITBI e ISS) em atraso e que foram parcelados. Assim, as parcelas referentes aos créditos cedidos, que são pagos pelos contribuintes, em vez de irem para o caixa da prefeitura, vão para o caixa da PBH Ativos.

[3] O grupo do Núcleo de Minas Gerais da Auditoria Cidadã da Dívida atuou diretamente na judicialização da criação da PBH Ativos denunciando que as receitas repassadas para a PBH Ativos S/A ocorrem sem nenhuma transparência dos valores e formatos utilizados. Para mais, ver: http://www.auditoriacidada.org.br/blog/meta_slider/pbh-ativos-s-a-a-quem-serve-o-governo-do-municipio-de-belo-horizonte/

Esses aportes de recursos diretamente dos cofres públicos oneram o orçamento do município exatamente na mesma medida em que fortalecem a movimentação de capital da empresa. Quanto maior o volume de recursos injetados na empresa, maior será o rombo do orçamento do município. Negando o processo, os responsáveis pela empresa indicam, como aconteceu na audiência pública no dia 15 de julho de 2016 na Câmara dos Vereadores, em ocasião de apresentação dos relatórios financeiros, que a transferência de recursos públicos para uma S/A é “uma pequena mudança”[4] já que a empresa também seria “pública”.

[4] Expressão utilizada pelo diretor executivo da PBH Ativos, Francisco Rodrigues do Santos, durante a audiência pública quando questionado sobre a transferência de recursos públicos para a empresa.

Uma das expressões mais flagrantes deste processo de dilapidação do patrimônio público é a aplicação de um mecanismo de transferência de terrenos públicos para a PBH Ativos, o que merece um desenvolvimento maior. Com a lei 10.699 de 2014, a prefeitura municipal autorizou a transferência de 53 terrenos públicos, a maioria deles recebidos via lei de parcelamento[5], para a PBH Ativos. A transferência desses terrenos, de acordo com a lei aplicada, fica condicionada a uma contrapartida financeira da PBH Ativos estipulada como ‘valor mínimo’ que deveria ser repassada aos cofres públicos. Todavia, esse valor está muito abaixo do valor praticado pelo mercado, sendo esse o principal mecanismo que permite à PBH Ativos abocanhar a riqueza pública para fins privados.

No mapa a seguir, apresenta-se a localização destes terrenos, com informação sobre o valor do metro quadrado no mercado do bairro em que se localiza e a diferença percentual entre o valor mínimo da transferência e o valor praticado no mercado imobiliário. Observa-se que o valor que a PBH Ativos se compromete a repassar para a prefeitura representa, em média, 18,03% do valor de mercado. Ou seja, mais de 80% do valor destes terrenos fica nas mãos da empresa privada.

[5] A lei de parcelamento prevê que todo parcelamento de glebas deve destinar 15% da área para o poder público a fim de realizar o desenvolvimento de equipamentos urbanos e comunitários.

Estes imóveis foram utilizados de duas maneiras: 1) vinte terrenos usados para integralizar o capital da empresa através de leilão[6] que poderiam chegar à faixa de 170 milhões de reais[7]; 2) os trinta e três terrenos restantes usados como garantia para as parcerias público-privadas que a PBH Ativos está articulando.

Como se não bastasse, foi emitida, também por força de decreto, de número 15.534 de 2014, a definição de que a PBH Ativos vai atuar junto à secretaria de Desenvolvimento, auxiliando a prefeitura em investimentos de infraestrutura, serviços públicos municipais, dentre outros. O decreto aumentou as prerrogativas da PBH Ativos S/A na administração municipal. Os custos financeiros das operações de debêntures de pagamento de juros e a remuneração dos seus investidores são cobertos pela PBH Ativos. Mas, para isso, seu ‘negócio’ deve dar lucro. Assim, o objetivo da política pública urbana é pervertido para a remuneração de investidores privados, mesmo sabendo, a partir de vasta literatura, que a intenção entre o lucro e o “bem-estar da população” (como deveria ser uma política pública) pode ser bem diversa.

O objetivo da política pública urbana é pervertido para a remuneração de investidores privados, mesmo sabendo que a intenção entre o lucro e o “bem-estar da população” (como deveria ser uma política pública) pode ser bem diversa.

Segundo o texto que institui a empresa, a PBH Ativos S/A deverá atuar em todas as PPPs que o município solicitar por meio do seu Conselho Gestor das Parcerias Públicos-Privadas. São previstos PPPs para o Mercado Distrital do Cruzeiro, para o Centro de Convenções de Belo Horizonte, para o Terminal Rodoviário Municipal, para iluminação pública, vilas produtivas e supermercado, estacionamentos e gestão dos rotativos, para o futuro Centro Administrativo Municipal, para cemitérios, para o Novo Sistema de Mobilidade Urbana Compartilhada, e para parques como o Parque Mangabeiras, o Jardim Zoológico, o Jardim Botânico, o Parque Ecológico e o Parque Barragem Santa Lúcia. Além desses, o comunicado existente no site da empresa afirma que ela já vinha atuando nas PPPs do município, oferecendo garantias a empreendimentos como o Projeto Inova (construção de escolas municipais, em parceria público-privada com Odebrecht) e o Projeto do Novo Hospital Metropolitano.

Com isso, a questão da política urbana municipal de Belo Horizonte fica condicionada aos lucros dessa empresa. Nesta forma de desenvolvimento, que ocorre a partir da integração entre capital financeiro e as políticas públicas, acaba-se, por fim, voltando-se para uma orientação que segue a lógica do lucro e prioriza os mecanismos de valorização do capital e não necessariamente o atendimento dos serviços e políticas públicas

O aumento de poder econômico da PBH Ativos não altera a condição de que, para exercer esta prática, o principal capital mobilizado pela empresa seja o capital político, baseado em informações privilegiadas e livre trânsito nos setores decisórios sobre investimentos diversos em infraestrutura.

O aumento de poder econômico da PBH Ativos não altera a condição de que, para exercer esta prática, o principal capital mobilizado pela empresa seja o capital político, baseado em informações privilegiadas e livre trânsito nos setores decisórios sobre investimentos diversos em infraestrutura. Esse capital político inclui ainda o controle sobre processos de parceria e, mais recentemente, sobre a administração de conjunto expressivo de terrenos da PBH. Sobre o poder da PBH Ativos, cabe resgatar que sua criação está relacionada a uma inflexão na gestão urbana: a transferência dos setores de planejamento urbano, que deixaram o setor de obras, planejamento e infraestrutura (antiga SMURBE) e passaram a fazer parte do setor de desenvolvimento econômico (atual Secretaria de Desenvolvimento) e, finalmente, tiveram seus produtos de maior interesse transportados para a empresa de viés financeiro. Esta transferência do setor de planejamento para o setor financeiro, quase sempre acompanhada de transferência da pessoa responsável pelo setor, detentor de informações privilegiadas e expertise na produção do espaço, não se trata de ocorrência isolada e ocorre em outras capitais, o que, mais uma vez, coloca as decisões relacionadas ao planejamento sob o critério da rentabilidade dos capitais investidos.

[6] O leilão foi barrado por decisão judicial perpetrada por movimentos sociais de Belo Horizonte, como Brigadas Populares, MLB e o Núcleo de Minas Gerais da Auditoria Cidadã da Dívida.

 

[7] Baseado na pesquisa do grupo de pesquisa Indisciplinar sobre a diferença entre os valores mínimos e os de mercado dos terrenos transferidos para a PBH Ativos.

Thiago Canettieri

Doutorando em geografia pela UFMG. Pesquisador do indisciplinar e do observatório das metrópoles.
thiago.canettieri@gmail.com

Daniel Medeiros

Arquiteto Urbanista, professor adjunto do Departamento de Urbanismo da Escola de Arquitetura e Design da UFMG.
danielmedeirosdefreitas@gmail.com

Lucca Mezzacappa

graduando em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG e pesquisador nos projetos de extensão Urbanismo Biopolítico e BH S/A do Grupo de Pesquisa Indisciplinar.
luccamezz@gmail.com

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