Relato – oitiva Marcio Lacerda

Entenda como a CPI da PBH Ativos pode ser suspensa por manobras políticas do ex-prefeito Marcio Lacerda, mesmo com relatório apontando irregularidades.

Fotos por Lucca Mezzacappa
Nesta segunda-feira (13/11) foi encerrada a CPI da PBH Ativos que corria desde o fim de maio. A última reunião foi marcada por confrontos políticos entre os membros da comissão que divergiram quanto ao teor evidentemente antagônico do relatório do Verador Irlan Melo e do subrelator, Vereador Pedro Patrus. Enquanto aquele, que se diz pretensamente técnico e neutro, não encontrou qualquer irregularidade no funcionamento da PBH Ativos. Já Pedro Patrus, em seu relatório, descreveu uma série de ilegalidades desde a criação desta empresa, passando pelas principais atividades exercidas por ela no mandato do ex-prefeito Márcio Lacerda, idealizador da PBH Ativos. Desta maneira, a discussão acirrada e a falta de consenso impediu a aprovação de qualquer um dos relatórios pelos vereadores membros da comissão.
Isso indica que tanto uma possível autorização das atividades da empresa em questão – caso o relatório de Irlan Melo fosse aprovado – quanto o encaminhamento das investigações para a justiça – caso o relatório de Petro Patrus fosse aprovado – ficaram em suspenso.
Por meio em nota Márcio Lacerda afirmou que o relatório apresentado pelo Vereador Irlan Melo comprova de forma muito clara e objetiva que não houve nenhuma irregularidade na atuação da PBH Ativos. Ora, a clareza e objetividade também estão presente no relatório de Pedro Patrus, respaldado, inclusive por documentos de orgãos de controle como do Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, do Ministério Público e do Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais. Qual é o interesse do ex-prefeito em apoiar, de maneira tão irrestrita o relatório de Irlan Melo, que autoriza a atividades da empresa por ele criada? A resposta é auto-evidente, entretanto, é o que se segue em tempos que, como diria um eminente dramartugo e poeta, temos de dizer o óbvio.

No dia 02 de Outubro de 2017, uma cínica segunda-feira, o ex-Prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), compareceu à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aberta pela Câmara Municipal de Vereador de Belo Horizonte que investiga a empresa estatal não-dependente PBH Ativos S/A[1]. A oitiva de Lacerda ocorreu após o ex-Prefeito não comparecer a um convite e a uma convocatória realizados pela Comissão.

Antecedentes

A presença de Márcio Lacerda foi antecedida por grande repercussão na mídia em função da ação judicial movida pelo político-empresário, em 18 de Julho, pedindo a suspensão das atividades da CPI iniciadas em 10 de Maio de 2017, sob a alegação de que os membros da Comissão, Pedro Patrus e Gilson Reis, haviam assumido posição política e atuavam de maneira imparcial. Gilson Reis e Pedro Patrus, presidente e relator sobre debêntures da CPI, respectivamente, rebateram as críticas feitas por Lacerda, e no dia 08 de Agosto conseguiram anular a ação do ex-Prefeito, defendendo a legitimidade e a importância da CPI para o Município – a primeira instaurada em toda história da Câmara Municipal de Vereadores de Belo Horizonte.

[1] Para mais informações, ver: pbhativos.com.br ;Para mais informações sobre o histórico da PBH Ativos e suas ações em Belo Horizonte, ver: pub.indisciplinar.com/financeirizacao
[Fig.1] Comissão Parlamentar de Inquérito da PBH Ativos S/A.

Na quinta-feira (21/09) que antecedeu a oitiva com o ex-Prefeito, Márcio Lacerda também ajuizou uma ação indenizatória por danos morais contra a economista, auditora fiscal do Município e ex-coordenadora do Núcleo Mineiro da Auditoria Cidadã da Dívida[2], Eulália Alvarenga. A economista tem desempenhado papel fundamental na denúncia sobre irregularidades nos processos de gestão empresarial das políticas públicas, Parcerias Público-Privadas (PPP) e endividamento do Estado, atuando em conjunto com diversos movimentos sociais em Belo Horizonte, sendo também considerada referência nacional nos campos de auditoria e economia política. O movimento Somos Todos Contra a PBH Ativos emitiu uma nota de apoio[3] à Eulália contando com assinaturas de mais de 40 organizações políticas e entidades que se solidarizaram com o ocorrido.

A chegada na CPI

O ex-Prefeito, que compôs a mesa da oitiva acompanhado de seus advogados, do ex-Vice-Prefeito Délio Malheiros (PSD) e do ex-Secretário Municipal de Governo, Vitor Valverde, expôs em sua apresentação que considerava conquistas e avanços trazidas ao município durante suas duas gestões na Prefeitura de Belo Horizonte (2008-2016).

 

[Fig.2] Na mesa, Vitor Valverde, Márcio Lacerda, Délio Malheiros e seus respectivos advogados.
Lacerda inicia sua fala ressaltando a importância de se defender o exercício democrático em meio ao contexto político vivenciado no país, dando ênfase aos votos que serão dados por cada cidadão em 2018. A pontuação aparentemente genérica feita pelo político poderia passar despercebida por quem acompanhava a oitiva, exceto pela recorrência de termos que remetessem à pré-candidatura do ex-Prefeito ao cargo de Governador do Estado de Minas Gerais em 2018. O discurso político de Lacerda fica em evidência a partir da pergunta feita pelo Vereador Jair di Gregório (PP) sobre as intenções do político em levar a experiência de PPPs para o âmbito estadual, sendo prontamente vaiado e questionado pelo público presente se não se tratava de “campanha” para o pré-candidato[4].
[4] Vale ressaltar que a gestão de Lacerda foi marcada por grande alinhamento com mercado privado via PPP. Pode-se ilustrar tal cenário por meio das Operações Urbanas Consorciadas (OUCs) NovaBH e ACLO, que à época contavam como secretário de Planejamento Urbano, Marcello Faulhaber, posteriormente nomeado diretor de negócios da PBH Ativos. Márcio Lacerda é também ex-presidente da Associação Mineira de Municípios e desde 2015 presidente da Frente Nacional de Prefeitos, instituição apoiadora das ações da gestão empresarial do ex-prefeito em Belo Horizonte.
[Fig.3] Vereador Jair Di Gregório (PP).

A Cidade-Canteiro-de-Obras

A fala de Lacerda foi pautada também em supostos avanços na saúde e educação, áreas que foram alvo de concessões dentro do modelo de PPPs. Segundo Lacerda, sua gestão foi a que mais entregou obras urbanas, listando como exemplos bem-sucedidos o alargamento da Avenida Antônio Carlos, o Boulevard Arrudas, a reformulação do complexo viário da Lagoinha, das rodovias BR-040 e 710, bem como a implantação das estações do MOVE. No que diz respeito à questão da habitação, contraditoriamente ao que foi experienciado pela população removida do entorno das obras citadas[5], Márcio Lacerda alegou que Belo Horizonte teria vivenciado uma evolução durante sua gestão, apontando a construção de mais de 14 mil unidades habitacionais em sua gestão como grande contribuição na área habitacional. Paradoxalmente, dados apontam que, entre 2014 e 2017, a população em situação de rua aumentou 40%, atingindo um número de mais de 4,5 mil pessoas sem moradia fixa[6]. De acordo com dados do Grupo de Pesquisa PRAXIS, da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG, em 2016 o número de famílias em ocupações urbana na região metropolitana era de mais de 14 mil, distribuídas em 24 assentamentos[7]. Estima-se que em Belo Horizonte, entre 2008 e 2012, mais de 6 mil domicílios tenham sido alvo de remoções promovidas pelo Estado em consonância com os interesses do mercado, o que por um lado provoca a ampliação do déficit habitaional, e por outro formenta mercado homibiliário para programas de financiamento da casa própria como, como o Programa Minha Casa Minha Vida, financiado pela Caixa Econômica Federal.

As PPPs de Educação

Em 2012 foi firmado o contrato de concessão administrativa de 53 unidades educacionais entre a Secretaria Municipal de Educação e a SPE InovaBH, com intermédio da PBH Ativos S/A, que ficou responsável pela modelagem econômica e financeira da operação. A InovaBH é uma Sociedade de Propósito Específico criada pela Odebrecht S/A com a finalidade de operacionalizar serviços administrativos tais como portaria, limpeza, jardinagem, lavanderia e manutenção das unidades de educação, deixando de existir juridicamente após a conclusão do contrato – previsto com duração de 20 anos de acordo com a Lei Federal 11.079/2004.

Vale lembrar que, em um episódio recente[8], o ex-Prefeito Márcio Lacerda foi apontado como suspeito de ter recebido pagamentos não contabilizados para sua campanha para o cargo nos anos de 2008, 2012 e 2014, provenientes da Odebrecht S/A. A suspeita foi levantada a partir de uma delação do ex-Diretor Presidente da Odebrecht, Sérgio Neves, responsável pela assinatura do contrato de PPP de Educação. O empresário alega terem sido feitos apenas dois repasses ao político do PSB nos valores de R$500.000,00 e R$2.500.000,00, sendo desmentido pelo próprio Lacerda durante a oitiva.

[5] A exemplo, ver “Donos de imóveis desapropriados na Pedro I protestam contra valor de indenização”
Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/11/13/interna_gerais,329624/donos-de-imoveis-desapropriados-na-pedro-i-protestam-contra-valor-de-indenizacao.shtml
[6] Ver: https://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/populacao-de-rua-cresce-em-belo-horizonte-e-atinge-numero-de-45-mil-moradores.ghtml
[7]  BITTENCOURT, R, R; MORADO, D; GOULART, F, F. Ocupações Urbanas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Realização Praxis. Belo Horizonte. 2016.
Disponível em: issuu.com/praxisufmg/docs/relato-ocupa-jun2016
[8] Ver: ”Delação da Odebrecht: Marcio Lacerda é suspeito de receber vantagens indevidas”  e “Lacerda é citado entre políticos que receberam doações ilegais da Odebrecht”.
Disponível em: g1.globo.com/minas-gerais/noticia/delacao-da-odebrecht-marcio-lacerda-e-suspeito-de-receber-vantagens-indevidas.ghtml e bhaz.com.br/2017/04/15/lacerda-e-citado-entre-politicos-que-receberam-doacoes-ilegais-da-odebrecht
[Fig.3] Márcio Lacerda acompanhado de seus advogados.

As PPPs de Saúde

No que tange à área de saúde, em 2014 foi elaborado o projeto de concessão administrativa, dentro do modelo de PPP, entre a Secretaria Municipal de Saúde e o consórcio com as construtoras Cowan e Odebrecht S/A, o que foi mediado pela PBH Ativos. Mas o projeto não entrou em vigor até a presente data, não tendo sequer pronunciamento de representantes da PBH Ativos S/A sobre o assunto. Paralelamente, desde 2010, ocorria a PPP de concessão administrativa do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, no Bairro Barreiro, que atualmente – sete anos após o firmamento de seu contrato – opera com aproximadamente 40% da capacidade prevista, o que corresponde a  189 leitos, tendo sido realizadas menos de 200 cirurgias. De acordo com o atual Prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS), há a previsão de que todos os 451 leitos estajam em plena operação até Dezembro de 2017.

Alinhamento com mercado financeiro: a criação da PBH Ativos

A criação da empresa PBH Ativos S/A, de acordo com Márcio Lacerda, foi motivada inicialmente por um projeto de emissão de títulos baseado no parcelamento de dívida de contribuintes do Município, por meio do sistema FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios). Tal procedimento é alvo de “polêmicas de administração direta”, segundo o próprio Lacerda. Em 2014, a PBH Ativos realizou duas emissões de debêntures[9], sendo uma delas, de títulos não lastreados e de valor total de R$880 milhões, absorvidas pelo Município de Belo Horizonte. A segunda emissão, realizada duas semanas depois, no valor de R$230 milhões e com garantia real, foi destinada ao mercado de capitais[10]. Atualmente a PBH Ativos S/A é responsável por gerir todos os ativos financeiros e PPPs do Município, dentre as quais lista-se: parques, cemitérios, estacionamentos, educação, saúde, o Centro de Convenções, relógios digitais, iluminação pública, o Centro Administrativo e projetos de mobilidade urbana. Dentre todas as PPPs previstas, as áreas de educação, saúde e iluminação pública já estão em vigor e sob análise na CPI. As atividades da PBH Ativos delineiam um cenário de intensa privatização da gestão de espaços e equipamentos da máquina pública, beneficiando prioritariamente o mercado em detrimento da população, dentro de um modelo de administração pública recentemente visto em municípios como São Paulo e Porto Alegre.

O ataque político

Em sua explanação, ao ser questionado sobre o processo movido contra a CPI, Márcio Lacerda questionou o posicionamento de Gilson Reis (PCdoB) e Pedro Patrus (PT), acusando o político petista de “convidar estudantes da universidade” para um evento durante o curso da CPI, “fazendo uma série de acusações” contra o ex-Prefeito e a S/A por ele criada. O comentário de Lacerda foi prontamente desconstruído por Pedro Patrus, explicando que ele havia sido convidado para um evento acadêmico, cujo intuito seria apresentar o atual cenário experienciado na CPI. Lacerda entregou, ainda, uma cópia de uma cartilha produzida pelos movimentos sociais apontando potenciais irregularidades na PBH Ativos, sob alegação de que o material teria sido utilizado pelo vereador como forma de ataque a PBH Ativos e a figura pública de Márcio Lacerda. Esta é a manobra política de Márcio Lacerda: atua na concessão e na entrega à modelos de PPPs de parte da estrutura de saúde e educação do município, faz acusações contra membros da CPI ao mesmo tempo em que abre processos contra membros da sociedade civil que, embasados em minuciosos estudos e análises, criticam o modelo de administração e gerenciamento de políticas públicas adotadas pelo político. E assim se projeta, com a mesma agenda neoliberal, para o cargo de governador. As declarações feitas pelo político na CPI da PBH Ativos serviram para ilustrar o que já se sabe há tempos: Lacerda tenta a todo custo preservar sua imagem, mirando o cargo de governador de Minas Gerais, mesmo que isso signifique passar por cima de um instrumento legítimo do legislativo e atacar a sociedade civil organizada. Se “a nossa população precisa voltar a acreditar na democracia”, elegendo “pessoas de bem” como colocado pelo próprio pré-candidato do PSB, o conhecido histórico de Márcio Lacerda talvez indique qual caminho não seguir.

[9]  Debêntures são títulos de dívida emitidos por empresas. No caso da PBH Ativos S/A, foram emitidos títulos partir de créditos tributários e não-tributários do Município.
[10] “No mercado de capitais são negociados os chamados títulos de valores mobiliários – por exemplo, ações e debêntures. Em geral, as operações nesse mercado são de médio e longo prazo, visto que o objetivo das companhias costuma ser levantar dinheiro com foco em projetos de crescimento.”
Para maiores informações, ver: verios.com.br/blog/mercado-de-capitais-entenda-o-conceito/

Lucca Mezzacappa

graduando em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG e pesquisador nos projetos de extensão Urbanismo Biopolítico e BH S/A do Grupo de Pesquisa Indisciplinar.
luccamezz@gmail.com

Luís Henrique Marques

graduando em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG e pesquisador nos projetos de extensão Urbanismo Biopolítico e Cartografia das Lutas Territoriais do Grupo de Pesquisa Indisciplinar. luishenriquemos@gmail.com

Thiago Canettieri

Doutorando em geografia pela UFMG. Pesquisador do indisciplinar e do observatório das metrópoles.
thiago.canettieri@gmail.com

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