Uma entrevista com Julia Valente, mestre em Direito Penal, sobre as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) implantadas no Rio de Janeiro.
Foto Ricardo Moraes
As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) implantadas no Rio de Janeiro, em 2008, são comumente vistas apenas pelo viés da segurança pública, do combate ao tráfico de drogas e ao “crime organizado”. Por outro lado, há inúmeras denúncias contra as muitas ações arbitrárias e ilegais cometidas por agentes estatais contra os moradores das favelas em que esse programa foi instalado. Denuncia-se ainda a falta de implementação de outros programas sociais nesses territórios, que acabam submetidos tão somente à lógica da segurança pública. Ampliando esse debate, a advogada e mestre em Direito Penal pela UERJ, Júlia Valente, nos mostra como o programa das UPPs está alinhado aos interesses do mercado e às tendências globais do urbanismo neoliberal. Júlia lançou, em 2016, pela editora Revan, o livro “UPPs: Governo Militarizado e a Ideia de Pacificação”.
Em seu trabalho, fica clara a relação entre a implementação do programa das UPPs e os megaeventos (Copa das Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014 e Olímpiadas do Rio de 2016). Qual a relação entre os territórios em que foram instaladas as UPPs e os megaeventos?
As UPPs, como os megaeventos, fazem parte de um mesmo projeto militarista-empresarial de cidade em curso no Rio de Janeiro. A ocupação militarizada dos territórios de pobreza serviam à estratégia de segurança desses eventos, então os territórios em que foram instaladas eram estrategicamente localizados: comunidades no entorno dos locais em que esses eventos iriam acontecer, na Zona Sul carioca e nos corredores de trânsito do turismo. Era necessário manter a aparência de controle e segurança nos locais que estavam à vista do público.
Fig1 Capa do livro “UPPs: Governo Militarizado e a Ideia de Pacificação”, de Julia Valente
Terminados os megaeventos, com a queda dos investimentos privados na cidade do Rio de Janeiro e a situação calamitosa das finanças do Estado do Rio de Janeiro, qual sua expectativa para as UPPs?
Para os críticos do projeto, a expectativa desde o início era que as UPPs não seriam viáveis a longo prazo, o projeto era insustentável por demandar vultuosos e crescentes investimentos e os ambiciosos planos de expansão simplesmente irreais. A crise afeta o Estado do Rio de Janeiro de forma estrutural e já vemos as consequências no campo da segurança pública. O Estado procura defender as UPPs a todo custo, afirma que não vai retroceder, mas manter o projeto “com ajustes”, o que significa realocar policiais, cortar gastos e colocar os policiais (com salários atrasados) em situações cada vez mais precárias e vulneráveis. Ele está tentando sustentar a imagem e o discurso criado em torno do projeto, mas a falência já foi decretada de antemão, pois as UPPs não representaram uma transformação profunda com a forma de lidar com as favelas. Com o incremento da violência, o Estado vai lidar da forma com que sempre lidou: com a repressão militarizada. Hoje temos operações mais ostensivas, com maior aparato bélico, que remete às incursões anteriores às ocupações. A lógica da guerra nunca foi de fato abandonada. Se em algum momento a violência letal diminuiu, hoje temos mortes dia sim dia não em conflitos armados em favelas com UPPs, de acordo com os dados coletados pelo aplicativo Fogo Cruzado da Anistia Internacional.
Fig1 Vista da favela e da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) no Complexo do Alemão no Rio – Foto: Daniel Marenco
Em quais experiências anteriores o programa das UPPs foi inspirado?
As UPPs se inspiram diretamente no modelo dos Proyectos Urbanos Integrales implantados na cidade de Medellín, na Colômbia. No início de 2007, o então governador Sérgio Cabral e seu Secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame visitaram Medellín e de lá voltaram como o modelo de “retomada de território” com o apoio das forças militares seguida de ocupação permanente acompanhada de iniciativas sociais. Mesmo os teleféricos nos morros do Rio foram inspirados no colombiano. Entretanto, embora Medellín seja uma cidade comparável ao Rio de Janeiro, a situação do tráfico de drogas lá é ainda mais complexa, pois envolve também guerrilhas. Além disso, quando as UPPs foram implementadas aqui, o modelo de lá já estava em crise, com um novo aumento das taxas de criminalidade, particularmente do número de homicídios. O que houve na Colômbia foi uma reconfiguração dos poderes dos diferentes atores: as guerrilhas foram contidas, mas os grupos paramilitares se fortaleceram. No Rio de Janeiro também houve um rearranjo de poderes, mas não sabemos ainda avaliar a extensão de suas consequências.
Dentro de um contexto de “reestruturação urbana”, em que o capital imobiliário e financeiro buscam cada vez mais novos territórios para se reproduzir nas cidades, qual é o papel das UPPs ?
David Harvey explica que o capital passa por crises cíclicas de superacumulação e então precisa encontrar formas de se expandir para que o excedente seja absorvido e não se desvalorize. Umas das formas de fazê-lo é buscar novos territórios, novos mercados consumidores. Na política da “pacificação” o Estado usa seu poder militar para abrir caminho para a exteriorização no território das favelas da atividade econômica baseada no mercado, permitindo a continuidade da acumulação de capital no contexto de um projeto empresarialista de cidade. Nesse sentido, as UPPs buscam “incluir” a população das favelas através de uma cidadania mediada pelo consumo. Querem que os pobres tenham poder de consumo e paguem pelos serviços fornecidos pelas empresas e pelo Estado. Além disso, há uma valorização do território ligada à especulação imobiliária o que leva à “remoção branca” de muitas famílias. Qual o impacto das UPPs na vida cotidiana das pessoas que habitam os territórios atingidos? Nesses territórios o traficante fortemente armado dá lugar ao policial fortemente armado. O policiamento ostensivo se torna uma constante, não sendo realizado por uma “polícia de proximidade”, mais cidadã, como se prometia. A presença constante da polícia, que não é adequadamente preparada, leva a uma série de violações como as frequentes abordagens. A vida das pessoas passa a ser mais regulamentada e direitos são restringidos. Além disso, o custo de vida sobe com os custos dos serviços regularizados e a especulação imobiliária e as alternativas informais desenvolvidas pelos moradores à falta de serviços são desarticuladas.
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