O neoliberalismo e seus normalopatas

O neoliberalismo e seus normalopatas

O neoliberalismo e seus normalopatas

Depois dos frankensteins, esquizoides errantes sem fronteiras, e dos fantasmas alienados que vagam da pressão, descompressão e depressão, chegamos finalmente aos zumbis que hoje se tornaram nossa mais próxima normalopatia.

Com o quadro de aumento do consumo de entorpecentes de várias naturezas e de disseminação do diagnóstico de depressão, não restam dúvidas que a vida contemporânea está cada vez mais inserida dentro dos registros de uma experiência danificada – como alertou Adorno. O perpétuo estado de emergência e risco da vida cotidiana marcada pelo neoliberalismo criou, portanto, uma forma muito específica de sofrimento. É essa a natureza da reflexão que reapresentamos de Christian Dunker. A condição humana contemporânea, no contexto do capitalismo tardio, é um constante processo de decomposição do ser humano por determinações que nos sãos externos. Certo alemão, há 150 anos, chamou isso de fetichismo da mercadoria, reconhecendo nesta forma social, a mercadoria, o grau zero da sociedade capitalista. Assim, criamos um mundo em que “as mercadorias estão realmente vivas” – lembra Slavoj Zizek – “mais vivas do que nós mesmos”.


Muito frequentemente confunde-se o neoliberalismo com o conjunto de práticas que definem o capitalismo contemporâneo em sua capilaridade globalizada. Isso dificulta o trabalho de circunstanciar críticas e analisar problemas locais, tornando as objeções ao neoliberalismo o enfretamento de um inimigo mais poderoso do que ele realmente é. O problema inverso também deveria ser evitado: subdimensionar o neoliberalismo, apenas como uma teoria econômica, nascida nos anos 1930, expressa na obra de autores como Walter Lippmann, Von Mises e Hayek, renovada pela Escola de Chicago (Stiegler, Friedman), nos anos 1960 e adaptada por governos em forma de políticas de austeridade, privatização e monetarização, a partir dos anos 1980.

Nesta zona intermediária, entre uma etapa difusa do capitalismo e uma teoria econômica bem definida, propomos que o neoliberalismo é uma forma de vida. Enquanto tal, ele compreende uma gramática de reconhecimento e uma política para o sofrimento. Enquanto liberais clássicos, descendentes de Jeremy Bentham e Stuart Mill, encaravam o sofrimento, seja do trabalhador, seja do cidadão, como um problema que atrapalha a produção e cria obstáculos para o desenvolvimento e para o cálculo da felicidade, como máximo de prazer com mínimo de desprazer, a forma de vida neoliberal descobriu que se pode extrair mais produção e mais gozo do próprio sofrimento. Encontrar o melhor aproveitamento do sofrimento no trabalho, extraindo o máximo de cansaço com o mínimo de risco jurídico, o máximo de engajamento no projeto com o mínimo de fidelização recíproca da empresa, torna-se regra espontânea de uma vida na qual cada relação deve apresentar um balanço. Desta forma não existem zonas protegidas “fora do mercado”, e quem é contra isso é contra o neoliberalismo, e quem é contra o neoliberalismo é a favor do Estado.

Tudo é mercado. Educação é investimento. Saúde é segurança. Relações interpessoais são networking. Imagem é marketing pessoal. Cultura é entretenimento. Pessoa é o empreendedor de si mesmo.

Nos anos 1990, quando o neoliberalismo passava por amplas e efetivas implementações ao longo do mundo, ele estava marcado por práticas como o downsizing, a redução de custos e reengenharia e flexibilização de funções. A deslocalização da produção incide de tal forma que a competição deveria ser deslocada para o interior da própria empresa, cada setor tendo que se justificar pelo seu acréscimo ou déficit de valor agregado. Ao mesmo tempo cada um deve se ocupar individualmente de aumentar sua produtividade e garantir sua empregabilidade. Foi esta nova lei que culminou no escândalo imobiliário, dos bônus e maquiagens de balanços. Curiosamente, neste mesmo período emergiu também um novo quadro psicopatológico: as personalidades limítrofes ou borderlines. Descritas no fim dos anos 1930, contemporâneas da invenção teórica do neoliberalismo, tais personalidades estão marcadas por uma espécie de contradição fundamental entre mecanismos esquizoides e funcionamentos narcísicos, de tal forma que elas obedecem à lei desobedecendo-a. Nos anos 1960, havia um modelo de resistência que estava baseado na transgressão, da oposição a lei constituída. Todavia, há outras maneiras de resistências, por exemplo, pelo exagero da obediência à lei, pelo deslocamento crítico de seu contexto de aplicação, pela superidentificação com seus ideais.

Interessei-me por esta deriva histórica das formas de sofrimento em meu livro Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros, recentemente indicado aos finalistas do Prêmio Jabuti 2016, e que vem tendo uma surpreendente recepção na área de arquitetura e urbanismo, bem como nas artes plásticas, na literatura e no teatro. Isso sugere que talvez tenham sido as artes e a política, antes mesmo das ciências psicológicas, que captaram esta deriva e transformação em nossos modos compulsórios de sofrer e de exprimir nosso sofrimento – assim como é delas que provém novas formas e linguagens para novas maneiras de sofrer.

Todos devemos nos preocupar em sermos reconhecidos pelos outros e nos tornamos cientes de que nosso valor depende de como os outros nos veem. Procurar mais reconhecimento torna-se assim um objetivo geral. É o que Lacan, Kojéve e Hegel chamavam de luta pelo reconhecimento ou luta por prestígio. Para uma personalidade bordeline, este cultivo da insatisfação com o que o outro te oferece, em termos de amor e desejabilidade é extrapolado ao extremo. Insaciável, ele vive atormentado pelo vazio e pela iminência de ser abandonado pelo outro. Curiosamente, quando obtém sinais de que sua demanda está sendo respondida, isso desencadeia reações agressivas e de ódio, incompreensíveis para o outro. Talvez isso ocorra porque ao agirmos assim estamos sancionando a lei contra a qual o borderline se revolta e aceita exageradamente.

Outro exemplo. Para a forma de vida liberal, todos nós podemos trabalhar muito esperando grandes momentos de férias e prazer. Para o borderline neoliberal, esta alternância intermitente é um problema.

Por que não trabalhar divertindo-se, e divertir-se trabalhando? Por que manter esta linha demarcatória tão rígida? Isso confere com sua imagem diagnóstica como sujeito frequentemente envolvido em conflito com a lei, seja pelo abuso de drogas, seja por sexo ou consumo errático que o levam a dívidas.

Borderline é um nome clinicamente péssimo. Ele não está entre a neurose e a psicose em uma situação intermediária. Contudo, é um significante perfeito para designar o sofrimento padrão daquele momento neoliberal. Alguém que desafia limites, mas também que não se prende a territórios fixos, compromissos identitários e funções definidas. Esta flutuação livre, leve e solta é apenas o exagero da normalopatia de sua época. Quando borderline começou a rimar demais com os que cruzam fronteiras (por exemplo: terroristas, imigrantes, refugiados e demais subjetividades indeterminadas), o quadro desapareceu do interesse teórico. Mas aqui está o ponto crucial. Ele desapareceu porque de certa maneira todos nós nos tornamos borderlines, esta modalidade de sofrimento integrou-se ao comum da vida como um novo paradigma de normalopatia.

Este não é um processo novo, mas uma espécie de sincronia repetitiva entre teorias econômicas e sociais e modalidades preferenciais de sofrimento. As neuroses, e sua problemática com a lei e com a paternidade, foram um paradigma clínico até os anos 1950, com sua clara e definida linha que separava a desobediência e obediência à borderline paterna. Algo análogo ocorre com as personalidades narcísicas, com seus sentimentos de esvaziamento, fragmentação e inautenticidade durante os anos 1970, dando origem ao paradigma das donas de casas ansiosas, dependentes e infantilizadas, consumidoras contumazes e crônicas de Valium, sofrendo dentro da borderline da adequação feminina. É porque tornamo-nos “todos-neuróticos” que o sofrimento histérico (paradigma da neurose) tornou-se invisível. É também porque tornamo-nos “todos-narcísicos” que o sofrimento com a imagem de si tornou-se imperceptível. A partir de então, a normalopatia exige a recusa da dignidade do sofrimento daqueles que não suficientemente ou são exageradamente neuróticos ou narcísicos.

Entre os anos 2000 e 2010 emergem duas novas normalopatias neoliberais: a depressão de um lado e as anorexias de outro. A primeira representa o colapso na produção, a segunda no consumo. Os antigos devotos da crença na produtividade trouxeram visibilidade ao fato de que nem todos poderiam entrar no novo sistema reduzido e flexível de produção. O que fazer com os excluídos senão atribuir-lhes uma dificuldade “individual”? A ascensão da salvação pelo consumo torna muito mais visível e problemático alguém que se recusa a comer (ou come exageradamente e vomita como os bulímicos). A ascensão da adequação à produção torna explícito demais aquele que recusa-se a produzir, como o depressivo (ou daquele que acumula ou consome demasiadamente, como o adicto e o acumulador). Notemos que nesse ponto o neoliberalismo também sofreu uma pequena modulação, com a entrada dos discursos sobre a emoção e o talento, com as práticas de coaching e com o marketing orientado para a experiência. Com a assimilação dietética e higienista de novos regramentos na borderline entre saúde e doença, o quadro tende a declinar. Ademais, o empuxo de produção e desempenho vem sendo suplementado por ingestão de substâncias, legais e ilegais, em forma de doping tolerado, senão estimulado em nome de resultados.

Afinal por que contentar-se com seu filho que tira 6.0 em História, se ele poderia tirar 7.5 tomando metilfenidato?

Depois dos frankensteins, esquizoides errantes sem fronteiras, e dos fantasmas alienados que vagam da pressão, descompressão e depressão, chegamos finalmente aos zumbis que hoje se tornaram nossa mais próxima normalopatia. A lição completa pode ser encontrada na peça Os Normalopatas”, dirigida por Dan Nakagawa, com a Companhia Átropical, em cartaz na Estação Satyros até o fim de novembro. Trata-se da epopeia de um zumbi brasileiro em sua peregrinação rumo à recuperação da palavra. Tudo se passa entre o insuportável fluxo de palavras vazias e regulamentos desencarnados, na família, na escola, na política até a invenção de uma palavra que supere os atos de reação e oposição monomaníacas. Tais reações foram estudadas pelo grupo SP Teatro, quanto à cultura do ódio como efeito colateral da vida em forma de condomínio.

Zumbis são gerados por um desrespeito ao trato dos viventes, pela suspensão da relação de continuidade simbólica entre passado e futuro, pela violação da borderline entre vivos e mortos. É a normalopatia da vingança dos Brexits (pela qual a terceira idade, rural e conservadora percebe que sair da União Europeia lhe é vantajosa). É a normalopatia das previdências abreviadas, dos imigrantes e refugiados, deixados boiando no Mediterrâneo, ou da devastação causada pela construção da hidroelétrica de Belo Monte.

É normalopatia que sabe perfeitamente que certas coisas são erradas, injustas ou falsas, mas… e daí? 

É contando com isso que um juiz em Brasília pode autorizar o uso da tortura (corte de água, comida e comunicação, bem como uso de aparelhos sonoros em alto volume) contra estudantes que ocupam escolas de Taguatinga. No fundo, deslocamos o poder de quem faz as leis, para uma borderline móvel de quem as aplica e manipula, ao sabor da opinião pública, remetendo os descontentes ao estado de zumbis cuja palavra é livre, mas sem consequência.

Esta nova normalopatia emerge no quadro de substituição da cultura do narcisismo pela cultura da indiferença. Um zumbi não pode ser propriamente morto, ele perdeu seu lugar simbólico de descanso em sua tumba. Ele só pode ser eliminado com um tiro na cabeça, capaz de interromper sua monomania de devorar cérebros dos quais se alimenta. Zumbis não falam, não se agrupam, apenas repetem sua própria inanidade. Segundo os haitianos que participam de outro grupo emergente, que é o Teatro de Narradores, capitaneado por José Fernando de Azevedo, a arte de fabricar Zumbis é o que responde ao enigma de porque alguns são ricos e outros pobres. Os ricos são ricos porque sabem fabricar zumbis, e os zumbis são aqueles que trabalham sem saber que são zumbis, para os seus senhores. Talvez um zumbi seja feito quando alguém se apropria de um corpo morto, particularmente de alguém que morre sozinho.

Christian Ingo Lenz Dunker

Psicanalista, professor Livre-Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Analista Membro de Escola (A.M.E.) do Fórum do Campo Lacaniano e fundador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP.

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Relato – oitiva Marcio Lacerda

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Desde maio deste ano corre na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI que tem por objetivo apurar possíveis ilegalidades do funcionamento da empresa PBH Ativos S/A.

A PBH Ativos foi criada pela gestão Marcio Lacerda por meio da lei nº 10.003 de 25 de novembro de 2010 e tem por missão institucional auxiliar a Prefeitura Municipal na articulação e operacionalização de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico e social do município. Entre suas atribuições está a gestão de obra de infraestrutura, a instituição de parcerias públicos-privadas,  a  captação de recursos financeiros,  a administração patrimonial e a gestão de ativos e de imóveis[1].

O funcionamento da PBH Ativos foi alvo de denúncia por parte de 70 organizações dos movimentos sociais, como Auditoria Cidadã da Dívida, Brigadas Populares e o Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte (MAM-BH) . Se somaram às acusações os gabinetes dos vereadores Gilson Reis e Pedro Patrus e setores da universidade, como o grupo de pesquisa Indisciplinar, da Escola de Arquitetura da UFMG. Esses grupos apontam que a PBH Ativos S/A é uma empresa danosa para o município, pois coloca em cheque o patrimônio público para integralização do capital da empresa, comprometendo a sustentabilidade financeira do município . Além disso, apontam  ilegalidades na sua gestão.

O encerramento da CPI, na última segunda-feira, dia 13 de novembro de 2017 se deu em clima acalorado com a leitura e a votação dos relatórios do relator Vereador Irlan Melo e do sub-relator Vereador Pedro Patrus. As divergências quanto a natureza da PBH Ativos já apareceram na reunião anterior e geraram confronto político entre o relator, sub relator e demais presentes. O relatório de Irlan Melo  defende a legitimidade da empresa PBH Ativos S/A, bem como a legalidade das suas operações financeiras.  Segundo o relator, o mesmo parecer se aplica aos 53 terrenos públicos alienados à empresa para serem usados como garantia para parcerias público-privada (PPPs) ou para aumentar o  capital da própria empresa, além da cessão dos recursos do DRENURBS e de créditos tributários e não-tributários do município. Em contraposição, o parecer de Pedro Patrus aponta ilegalidades que vão desde a criação da empresa, passando pelas principais atividades por ela exercida no mandato do ex-prefeito Márcio Lacerda, seu idealizador.

 

O funcionamento da PBH Ativos foi alvo de denúncia por parte de 70 organizações dos movimentos sociais, como Auditoria Cidadã da Dívida, Brigadas Populares e o Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte (MAM-BH) . Se somaram às acusações os gabinetes dos vereadores Gilson Reis e Pedro Patrus e setores da universidade, como o grupo de pesquisa Indisciplinar, da Escola de Arquitetura da UFMG. Esses grupos apontam que a PBH Ativos S/A é uma empresa danosa para o município, pois coloca em cheque o patrimônio público para integralização do capital da empresa, comprometendo a sustentabilidade financeira do município . Além disso, apontam  ilegalidades na sua gestão.

O encerramento da CPI, na última segunda-feira, dia 13 de novembro de 2017 se deu em clima acalorado com a leitura e a votação dos relatórios do relator Vereador Irlan Melo e do sub-relator Vereador Pedro Patrus. As divergências quanto a natureza da PBH Ativos já apareceram na reunião anterior e geraram confronto político entre o relator, sub relator e demais presentes. O relatório de Irlan Melo  defende a legitimidade da empresa PBH Ativos S/A, bem como a legalidade das suas operações financeiras.  Segundo o relator, o mesmo parecer se aplica aos 53 terrenos públicos alienados à empresa para serem usados como garantia para parcerias público-privada (PPPs) ou para aumentar o  capital da própria empresa, além da cessão dos recursos do DRENURBS [2] e de créditos tributários e não-tributários do município. Em contraposição, o parecer de Pedro Patrus aponta ilegalidades que vão desde a criação da empresa, passando pelas principais atividades por ela exercida no mandato do ex-prefeito Márcio Lacerda, seu idealizador.

A sessão da CPI foi marcada por embate e tentativa de manobras políticas para a defesa dos interesses de legitimação da PBH Ativos.  Por exemplo, Irlan Melo, Bispo Fernando e Mateus Simões, defensores da empresa,  tentaram, por duas vezes, iniciar a reunião da comissão sem a presença dos outros membros, passando por cima do tempo de tolerância do atraso. Entretanto, os outros membros chegaram à tempo.

[2] Programa de Recuperação Ambiental de Belo Horizonte – DRENURBS. Esses créditos provêm de negociações com a COPASA, no início dos anos 2000, pela cessão de exploração de água e esgoto no Município, o que incluiu a venda da rede de água de esgoto.

Em conformidade com as denúncias já apresentadas por grupos e movimentos, Pedro Patrus aponta que as operações da PBH Ativos descumprem a Lei de Responsabilidade Fiscal a qual está subordinada. Conforme fica demonstrado por meio das leis autorizativas de cessão de crédito, aporte financeiro, doações de terreno, uso de funcionários públicos, a PBH Ativos não é uma empresa estatal não-dependente, ao contrário do que aponta o relatório de Irlan Melo. Portanto, não há lisura nas operações financeiras realizadas desde sua criação, que deveriam estar submetidas a essa lei.

No entanto, o vereador lembra que  essa discussão transcende a natureza jurídica da imprensa e envolve um simulacro fiscal que onera o município. A PBH Ativos SA tem impacto sobre o patrimônio e os recursos do município de Belo Horizonte por meio das operações de crédito para o adiantamento de receita, ou seja, comprometimento futuro das atividades do município.

Já o  relatório do vereador Irlan Melo vê o funcionamento da PBH Ativos como livre de qualquer impedimento legal. Procurando refutar os pontos do relatório de Pedro Patrus, Irlan  cita passagens do livro de  Edson Ronaldo Nascimento, ex-presidente da PBH Ativos que agora vende este modelo com sua consultoria financeira. Ora, como alguém relacionado de maneira tão íntima ao funcionamento da empresa pode servir de base para a investigação?

Os mais de 30 minutos de leitura do relatório de Irlan Melo conclui pela  legalidade das operações e da atividade da PBH Ativos .Com essa posição, o vereador menospreza os esforços de de pesquisa e de prática de cidadania de vários movimentos sociais reunidos no movimento Somos Todos Contra a PBH Ativos . Este movimento participou ativamente de todas as discussões, contribuíndo diretamente com a CPI, entregando estudos sobre as atividades da empresa.

O relatório do Vereador Irlan contraria ainda a representação feita pelo Ministério Público de Contas do Estado. O MPC pede cautelarmente que se suspenda a realização de transferência de patrimônio do Município para a empresa, bem como a realização das operações de cessão de crédito, solicitando que seja concedido prazo para novas diligências e aditamento da representação. A representação também aponta para o reconhecimento das irregularidades apontadas na representação quanto: aos atos de doação de bens imóveis municipais por valores mínimos e integralização de capital sem cláusula de reversão; à cessão de direitos de dívida ativa municipal; à cessão e contratação de empregados públicos sem concurso público; às contratações públicas; à emissão de debêntures em mascaramentos de antecipação de receitas orçamentárias sem autorização ministerial e legislativa.

O relatório de Irlan Melo também passa por cima de pareceres técnicos do Tribunal da União, Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais,  que configuram práticas análogas às realizadas pela PBH Ativos S/A como cessão de créditos para adiantamento de receita o que inflige a Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesse mesmo sentido, uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal debateu a securitização de créditos recebíveis que foi amplamente criticada na ocasião. Em palestra e em artigo Maria Lúcia Fatorelli, do movimento Auditoria Cidadã da Dívida denuncia o esquema fraudulento que, no caso da PBH Ativos foi objeto de ações populares e conquistou a suspensão do leilão de terrenos alienados à empresa e sobre a falta de transparência que foi concedida liminar.

Por outro lado, por meio de nota, o ex-prefeito Márcio Lacerda afirmou que o relatório apresentado pelo Vereador Irlan Melo comprova de forma muito clara e objetiva que não houve nenhuma irregularidade na atuação da PBH Ativos. Ora, a clareza e objetividade também estão presente parecer contrário, respaldado, inclusive por documentos de órgãos de controle como, do Ministério Público e do Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais. Qual é o interesse do ex-prefeito em apoiar, de maneira tão irrestrita o relatório de Irlan Melo, que autoriza a atividades da empresa por ele criada?

Ao todo houve 43 reuniões da CPI da PBH Ativos, entre sessões ordinárias e extraordinárias,  em que foram analisado milhares de páginas de documentos. Como pode, a mesma comissão, que teve acesso aos mesmos documentos e participou das mesmas reuniões chegar a conclusão tão díspares? Quais interesses estão representados por cada um dos relatórios?

Não cabe aqui julgar aquele que é o mais correto, muito embora o parecer de Pedro Patrus pareça ser mais coerente com a posição dos órgãos de controle e com Ministério Público. Fato é que a discussão acirrada e a falta de consenso impediu a votação e a aprovação do relatório, e a CPI, esgotado seu prazo de funcionamento naquele mesmo dia às 17h51.

Assim, tanto a autorização das atividades da empresa em questão quanto  o encaminhamento das investigações para a justiça ficaram suspensos. Segundo a visão dos presentes na sessão, a maioria dos vereadores votariam a favor do relatório de Irlan Melo. Ou seja, a CPI acabaria por legitimar as atividades da PBH Ativos S/A.

Portanto, o resultado da CPI, embora sem aprovação de um relatório, foi uma importante conquista da sociedade de Belo Horizonte. Caso se confirmasse o quadro previsto entre os presentes de uma vitória do relatório do Irlan, isso significaria uma derrota para a cidade – o resultado da CPI seria uma legitimação das atividades da PBH Ativos.  Com a CPI, foi ainda  possível assegurar acesso aos documentos da empresa que até então não haviam sido disponibilizados, além de impedir a votação do projeto de lei que previa a cisão parcial da empresa, proposta pelo atual executivo. Esse movimento conquistou, ainda, espaço na grande mídia que vinha evitando falar sobre o assunto – e, por fim, criou um saldo político positivo para os movimentos sociais que se opõem ao modelo de gestão da cidade empresa, termo cunhado pelo sociólogo e urbanista da UFRJ, Carlos Vainer, que muito provavelmente nunca imaginou que seu conceito, concebido no início do ano 2000 se tornaria tão literal aqui por Belo Horizonte.

Isso só foi possível na medida em que, desde o primeiro governo de Márcio Lacerda, tem se fortalecido a articulação de vários movimentos de Belo Horizonte e pela construção de uma rede de apoio e de trabalho na pesquisa e nas denúncias. É importante considerar também que vem ocorrendo um rearranjo na câmara, intensificada ainda mais neste ano pela eleição de vereadores e vereadoras ‘inéditos’. Com isso, mesmo em desvantagem numérica dentro da câmara de vereadores, é possível fazer uma resistência qualitativa contra a PBH Ativos. O fim da CPI é o fim de uma etapa na luta contra processos desta natureza em Belo Horizonte e até mesmo no Brasil. Ainda é necessário a contínua mobilização e novos passos devem ser dados para impedir que a lógica da financeirização alcance completamente a administração pública num processo de intensificação do processo de “empresificação” das políticas públicas.

#somostodoscontraapbhativos

Lucca Mezzacappa

graduando em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG e pesquisador nos projetos de extensão Urbanismo Biopolítico e BH S/A do Grupo de Pesquisa Indisciplinar.
luccamezz@gmail.com

Thiago Canettieri

Doutorando em geografia pela UFMG. Pesquisador do indisciplinar e do observatório das metrópoles.
thiago.canettieri@gmail.com

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Fotos por Lucca Mezzacappa
Nesta segunda-feira (13/11) foi encerrada a CPI da PBH Ativos que corria desde o fim de maio. A última reunião foi marcada por confrontos políticos entre os membros da comissão que divergiram quanto ao teor evidentemente antagônico do relatório do Verador Irlan Melo e do subrelator, Vereador Pedro Patrus. Enquanto aquele, que se diz pretensamente técnico e neutro, não encontrou qualquer irregularidade no funcionamento da PBH Ativos. Já Pedro Patrus, em seu relatório, descreveu uma série de ilegalidades desde a criação desta empresa, passando pelas principais atividades exercidas por ela no mandato do ex-prefeito Márcio Lacerda, idealizador da PBH Ativos. Desta maneira, a discussão acirrada e a falta de consenso impediu a aprovação de qualquer um dos relatórios pelos vereadores membros da comissão.
Isso indica que tanto uma possível autorização das atividades da empresa em questão – caso o relatório de Irlan Melo fosse aprovado – quanto o encaminhamento das investigações para a justiça – caso o relatório de Petro Patrus fosse aprovado – ficaram em suspenso.
Por meio em nota Márcio Lacerda afirmou que o relatório apresentado pelo Vereador Irlan Melo comprova de forma muito clara e objetiva que não houve nenhuma irregularidade na atuação da PBH Ativos. Ora, a clareza e objetividade também estão presente no relatório de Pedro Patrus, respaldado, inclusive por documentos de orgãos de controle como do Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, do Ministério Público e do Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais. Qual é o interesse do ex-prefeito em apoiar, de maneira tão irrestrita o relatório de Irlan Melo, que autoriza a atividades da empresa por ele criada? A resposta é auto-evidente, entretanto, é o que se segue em tempos que, como diria um eminente dramartugo e poeta, temos de dizer o óbvio.

No dia 02 de Outubro de 2017, uma cínica segunda-feira, o ex-Prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), compareceu à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aberta pela Câmara Municipal de Vereador de Belo Horizonte que investiga a empresa estatal não-dependente PBH Ativos S/A[1]. A oitiva de Lacerda ocorreu após o ex-Prefeito não comparecer a um convite e a uma convocatória realizados pela Comissão.

Antecedentes

A presença de Márcio Lacerda foi antecedida por grande repercussão na mídia em função da ação judicial movida pelo político-empresário, em 18 de Julho, pedindo a suspensão das atividades da CPI iniciadas em 10 de Maio de 2017, sob a alegação de que os membros da Comissão, Pedro Patrus e Gilson Reis, haviam assumido posição política e atuavam de maneira imparcial. Gilson Reis e Pedro Patrus, presidente e relator sobre debêntures da CPI, respectivamente, rebateram as críticas feitas por Lacerda, e no dia 08 de Agosto conseguiram anular a ação do ex-Prefeito, defendendo a legitimidade e a importância da CPI para o Município – a primeira instaurada em toda história da Câmara Municipal de Vereadores de Belo Horizonte.

[1] Para mais informações, ver: pbhativos.com.br ;Para mais informações sobre o histórico da PBH Ativos e suas ações em Belo Horizonte, ver: pub.indisciplinar.com/financeirizacao
[Fig.1] Comissão Parlamentar de Inquérito da PBH Ativos S/A.

Na quinta-feira (21/09) que antecedeu a oitiva com o ex-Prefeito, Márcio Lacerda também ajuizou uma ação indenizatória por danos morais contra a economista, auditora fiscal do Município e ex-coordenadora do Núcleo Mineiro da Auditoria Cidadã da Dívida[2], Eulália Alvarenga. A economista tem desempenhado papel fundamental na denúncia sobre irregularidades nos processos de gestão empresarial das políticas públicas, Parcerias Público-Privadas (PPP) e endividamento do Estado, atuando em conjunto com diversos movimentos sociais em Belo Horizonte, sendo também considerada referência nacional nos campos de auditoria e economia política. O movimento Somos Todos Contra a PBH Ativos emitiu uma nota de apoio[3] à Eulália contando com assinaturas de mais de 40 organizações políticas e entidades que se solidarizaram com o ocorrido.

A chegada na CPI

O ex-Prefeito, que compôs a mesa da oitiva acompanhado de seus advogados, do ex-Vice-Prefeito Délio Malheiros (PSD) e do ex-Secretário Municipal de Governo, Vitor Valverde, expôs em sua apresentação que considerava conquistas e avanços trazidas ao município durante suas duas gestões na Prefeitura de Belo Horizonte (2008-2016).

 

[Fig.2] Na mesa, Vitor Valverde, Márcio Lacerda, Délio Malheiros e seus respectivos advogados.
Lacerda inicia sua fala ressaltando a importância de se defender o exercício democrático em meio ao contexto político vivenciado no país, dando ênfase aos votos que serão dados por cada cidadão em 2018. A pontuação aparentemente genérica feita pelo político poderia passar despercebida por quem acompanhava a oitiva, exceto pela recorrência de termos que remetessem à pré-candidatura do ex-Prefeito ao cargo de Governador do Estado de Minas Gerais em 2018. O discurso político de Lacerda fica em evidência a partir da pergunta feita pelo Vereador Jair di Gregório (PP) sobre as intenções do político em levar a experiência de PPPs para o âmbito estadual, sendo prontamente vaiado e questionado pelo público presente se não se tratava de “campanha” para o pré-candidato[4].
[4] Vale ressaltar que a gestão de Lacerda foi marcada por grande alinhamento com mercado privado via PPP. Pode-se ilustrar tal cenário por meio das Operações Urbanas Consorciadas (OUCs) NovaBH e ACLO, que à época contavam como secretário de Planejamento Urbano, Marcello Faulhaber, posteriormente nomeado diretor de negócios da PBH Ativos. Márcio Lacerda é também ex-presidente da Associação Mineira de Municípios e desde 2015 presidente da Frente Nacional de Prefeitos, instituição apoiadora das ações da gestão empresarial do ex-prefeito em Belo Horizonte.
[Fig.3] Vereador Jair Di Gregório (PP).

A Cidade-Canteiro-de-Obras

A fala de Lacerda foi pautada também em supostos avanços na saúde e educação, áreas que foram alvo de concessões dentro do modelo de PPPs. Segundo Lacerda, sua gestão foi a que mais entregou obras urbanas, listando como exemplos bem-sucedidos o alargamento da Avenida Antônio Carlos, o Boulevard Arrudas, a reformulação do complexo viário da Lagoinha, das rodovias BR-040 e 710, bem como a implantação das estações do MOVE. No que diz respeito à questão da habitação, contraditoriamente ao que foi experienciado pela população removida do entorno das obras citadas[5], Márcio Lacerda alegou que Belo Horizonte teria vivenciado uma evolução durante sua gestão, apontando a construção de mais de 14 mil unidades habitacionais em sua gestão como grande contribuição na área habitacional. Paradoxalmente, dados apontam que, entre 2014 e 2017, a população em situação de rua aumentou 40%, atingindo um número de mais de 4,5 mil pessoas sem moradia fixa[6]. De acordo com dados do Grupo de Pesquisa PRAXIS, da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG, em 2016 o número de famílias em ocupações urbana na região metropolitana era de mais de 14 mil, distribuídas em 24 assentamentos[7]. Estima-se que em Belo Horizonte, entre 2008 e 2012, mais de 6 mil domicílios tenham sido alvo de remoções promovidas pelo Estado em consonância com os interesses do mercado, o que por um lado provoca a ampliação do déficit habitaional, e por outro formenta mercado homibiliário para programas de financiamento da casa própria como, como o Programa Minha Casa Minha Vida, financiado pela Caixa Econômica Federal.

As PPPs de Educação

Em 2012 foi firmado o contrato de concessão administrativa de 53 unidades educacionais entre a Secretaria Municipal de Educação e a SPE InovaBH, com intermédio da PBH Ativos S/A, que ficou responsável pela modelagem econômica e financeira da operação. A InovaBH é uma Sociedade de Propósito Específico criada pela Odebrecht S/A com a finalidade de operacionalizar serviços administrativos tais como portaria, limpeza, jardinagem, lavanderia e manutenção das unidades de educação, deixando de existir juridicamente após a conclusão do contrato – previsto com duração de 20 anos de acordo com a Lei Federal 11.079/2004.

Vale lembrar que, em um episódio recente[8], o ex-Prefeito Márcio Lacerda foi apontado como suspeito de ter recebido pagamentos não contabilizados para sua campanha para o cargo nos anos de 2008, 2012 e 2014, provenientes da Odebrecht S/A. A suspeita foi levantada a partir de uma delação do ex-Diretor Presidente da Odebrecht, Sérgio Neves, responsável pela assinatura do contrato de PPP de Educação. O empresário alega terem sido feitos apenas dois repasses ao político do PSB nos valores de R$500.000,00 e R$2.500.000,00, sendo desmentido pelo próprio Lacerda durante a oitiva.

[5] A exemplo, ver “Donos de imóveis desapropriados na Pedro I protestam contra valor de indenização”
Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/11/13/interna_gerais,329624/donos-de-imoveis-desapropriados-na-pedro-i-protestam-contra-valor-de-indenizacao.shtml
[6] Ver: https://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/populacao-de-rua-cresce-em-belo-horizonte-e-atinge-numero-de-45-mil-moradores.ghtml
[7]  BITTENCOURT, R, R; MORADO, D; GOULART, F, F. Ocupações Urbanas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Realização Praxis. Belo Horizonte. 2016.
Disponível em: issuu.com/praxisufmg/docs/relato-ocupa-jun2016
[8] Ver: ”Delação da Odebrecht: Marcio Lacerda é suspeito de receber vantagens indevidas”  e “Lacerda é citado entre políticos que receberam doações ilegais da Odebrecht”.
Disponível em: g1.globo.com/minas-gerais/noticia/delacao-da-odebrecht-marcio-lacerda-e-suspeito-de-receber-vantagens-indevidas.ghtml e bhaz.com.br/2017/04/15/lacerda-e-citado-entre-politicos-que-receberam-doacoes-ilegais-da-odebrecht
[Fig.3] Márcio Lacerda acompanhado de seus advogados.

As PPPs de Saúde

No que tange à área de saúde, em 2014 foi elaborado o projeto de concessão administrativa, dentro do modelo de PPP, entre a Secretaria Municipal de Saúde e o consórcio com as construtoras Cowan e Odebrecht S/A, o que foi mediado pela PBH Ativos. Mas o projeto não entrou em vigor até a presente data, não tendo sequer pronunciamento de representantes da PBH Ativos S/A sobre o assunto. Paralelamente, desde 2010, ocorria a PPP de concessão administrativa do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, no Bairro Barreiro, que atualmente – sete anos após o firmamento de seu contrato – opera com aproximadamente 40% da capacidade prevista, o que corresponde a  189 leitos, tendo sido realizadas menos de 200 cirurgias. De acordo com o atual Prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS), há a previsão de que todos os 451 leitos estajam em plena operação até Dezembro de 2017.

Alinhamento com mercado financeiro: a criação da PBH Ativos

A criação da empresa PBH Ativos S/A, de acordo com Márcio Lacerda, foi motivada inicialmente por um projeto de emissão de títulos baseado no parcelamento de dívida de contribuintes do Município, por meio do sistema FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios). Tal procedimento é alvo de “polêmicas de administração direta”, segundo o próprio Lacerda. Em 2014, a PBH Ativos realizou duas emissões de debêntures[9], sendo uma delas, de títulos não lastreados e de valor total de R$880 milhões, absorvidas pelo Município de Belo Horizonte. A segunda emissão, realizada duas semanas depois, no valor de R$230 milhões e com garantia real, foi destinada ao mercado de capitais[10]. Atualmente a PBH Ativos S/A é responsável por gerir todos os ativos financeiros e PPPs do Município, dentre as quais lista-se: parques, cemitérios, estacionamentos, educação, saúde, o Centro de Convenções, relógios digitais, iluminação pública, o Centro Administrativo e projetos de mobilidade urbana. Dentre todas as PPPs previstas, as áreas de educação, saúde e iluminação pública já estão em vigor e sob análise na CPI. As atividades da PBH Ativos delineiam um cenário de intensa privatização da gestão de espaços e equipamentos da máquina pública, beneficiando prioritariamente o mercado em detrimento da população, dentro de um modelo de administração pública recentemente visto em municípios como São Paulo e Porto Alegre.

O ataque político

Em sua explanação, ao ser questionado sobre o processo movido contra a CPI, Márcio Lacerda questionou o posicionamento de Gilson Reis (PCdoB) e Pedro Patrus (PT), acusando o político petista de “convidar estudantes da universidade” para um evento durante o curso da CPI, “fazendo uma série de acusações” contra o ex-Prefeito e a S/A por ele criada. O comentário de Lacerda foi prontamente desconstruído por Pedro Patrus, explicando que ele havia sido convidado para um evento acadêmico, cujo intuito seria apresentar o atual cenário experienciado na CPI. Lacerda entregou, ainda, uma cópia de uma cartilha produzida pelos movimentos sociais apontando potenciais irregularidades na PBH Ativos, sob alegação de que o material teria sido utilizado pelo vereador como forma de ataque a PBH Ativos e a figura pública de Márcio Lacerda. Esta é a manobra política de Márcio Lacerda: atua na concessão e na entrega à modelos de PPPs de parte da estrutura de saúde e educação do município, faz acusações contra membros da CPI ao mesmo tempo em que abre processos contra membros da sociedade civil que, embasados em minuciosos estudos e análises, criticam o modelo de administração e gerenciamento de políticas públicas adotadas pelo político. E assim se projeta, com a mesma agenda neoliberal, para o cargo de governador. As declarações feitas pelo político na CPI da PBH Ativos serviram para ilustrar o que já se sabe há tempos: Lacerda tenta a todo custo preservar sua imagem, mirando o cargo de governador de Minas Gerais, mesmo que isso signifique passar por cima de um instrumento legítimo do legislativo e atacar a sociedade civil organizada. Se “a nossa população precisa voltar a acreditar na democracia”, elegendo “pessoas de bem” como colocado pelo próprio pré-candidato do PSB, o conhecido histórico de Márcio Lacerda talvez indique qual caminho não seguir.

[9]  Debêntures são títulos de dívida emitidos por empresas. No caso da PBH Ativos S/A, foram emitidos títulos partir de créditos tributários e não-tributários do Município.
[10] “No mercado de capitais são negociados os chamados títulos de valores mobiliários – por exemplo, ações e debêntures. Em geral, as operações nesse mercado são de médio e longo prazo, visto que o objetivo das companhias costuma ser levantar dinheiro com foco em projetos de crescimento.”
Para maiores informações, ver: verios.com.br/blog/mercado-de-capitais-entenda-o-conceito/

Lucca Mezzacappa

graduando em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG e pesquisador nos projetos de extensão Urbanismo Biopolítico e BH S/A do Grupo de Pesquisa Indisciplinar.
luccamezz@gmail.com

Luís Henrique Marques

graduando em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG e pesquisador nos projetos de extensão Urbanismo Biopolítico e Cartografia das Lutas Territoriais do Grupo de Pesquisa Indisciplinar. luishenriquemos@gmail.com

Thiago Canettieri

Doutorando em geografia pela UFMG. Pesquisador do indisciplinar e do observatório das metrópoles.
thiago.canettieri@gmail.com

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Das pontes e enraizamentos do capital financeiro na vida contemporânea.

Img 1 Área de planalto desmatada para produção de soja, Alto Parnaíba, Maranhão, julho de 2015. Foto Vicente Alves

No dia 16 de nov/2015 o jornal The New York Times publica uma matéria de página inteira sobre o TIAA-CREF (Teachers Insurance and Annuity Association – College Retirement Equities Fund). Um fundo que reúne investimentos de diversos fundos de pensão dos Estados Unidos e de outros países. Na matéria citada o TIAA-CREF foi acusado de transacionar terras com um empresário brasileiro – o Sr. Euclides de Carli, um típico grileiro – que empregava violência e fraudes para expropriar terras de agricultores familiares,bem como para burlar leis brasileiras que limitam a presença de investimentos estrangeiros nas terras do país. Na carteira de investimentos do TIAA-CREF constam, dentre outros, recursos de fundos de pensão dos professores universitários aposentados de Nova York; de aposentados públicos suecos (Second Swedish National Pension Fund); e canadeneses (Caisse de dépôt et placement du Québec e British Columbia Investment Management Corporation of Canada).

Conforme apontado no Relatório produzido por entidades da sociedade civil sobre o caso, as opções de investimentos em terras (TIAA-CREF Global Agriculture I e II) lançadas pelo Fundo em 2012 e 2015 somavam recursos na ordem de US$ 2 e US$ 3 bilhões, respectivamente, voltados para a aquisição de terras e o estabelecimento de fazendas agroindustriais por meio de empresas subsidiárias em países como Brasil, Austrália, Polônia, Romênia, Estados Unidos, Chile, Nova Zelândia e países da Europa Central e do Leste. O mesmo relatório aponta que a violação da legislação brasileira é somente um dos aspectos em questão. Somam-se a elas uma série de outras violações, tais como: processos de especulação de terras; land grabbing[1] (seja por compra ou grilagem de terras); destruição do meio ambiente; e superexploração do trabalho.

[1]  SAUER, Sergio; LEITE, Sergio. Expansão agrícola, preços e apropriação de terras por estrangeiros no Brasil. Piracicaba: Revista de Economia e Sociologia Rural, Vol. 50, N. 03, Jul/Set, 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/resr/v50n3/a07v50n3.pdf

O que está por detrás do caso do TIAA-CREF?

O caso do TIAA-CREF é emblemático na medida em que nos informa sobre a dinâmica mais geral de acumulação na agricultura e no capitalismo contemporâneo. Nem mesmo a terra, historicamente tida como o ativo mais comumente associado à noção de imobilidade e baixa liquidez, está fora dos circuitos financeiros que vem ditando os rumos e o ritmo global da economia nos dias de hoje.

Img 2 Sede TIAA-CREF em BenefitsPRO

Sabe-se que a internacionalização da agricultura não é novidade. A literatura mostra que já na década de 1870 estruturou-se o primeiro regime agroalimentar mundial[2]. Além de ter nascido como um sistema global, de lá para cá tal internacionalização só fez crescer. A esse fenômeno alia-se outro: o processo de oligopolização dos chamados complexos agroindustriais, que abrange desde o processamento até a distribuição dos produtos pelas redes de mercados e supermercados. Da mesma forma, não é de hoje que o capitalismo faz uso da expansão das fronteiras territoriais como forma de conter crises e aumentar os lucros, se aproveitando sobretudo das barreiras ambientais e laborais geralmente mais frouxas nas regiões localizadas na fronteira do desenvolvimento.

Se é certo que este é um processo de longa duração, podemos nos perguntar: quais as especificidades e novidades deste início de século XXI?

Pelo menos duas características o particularizam. De um lado o boom de investimentos em terras em diferentes partes do mundo, de outro, vê-se que ele ocorre associado à multiplicidade de instrumentos (financeiros) disponíveis para sua realização e de agentes envolvidos nas transações. Como efetivamente isso se dá?

[2] FRIEDMANN, Harriet. The political economy of food: The rise and fall of the postwar food order. American Journal of Sociology, jan, 1982.

Global land grabbing: compras, vendas e grilagens de terra ao redor do mundo

Já no início dos anos 2000, diversos países lançaram ou atualizaram metas relativas à produção e ao consumo de biocombustíveis, como forma de fortalecer as agendas ambientais locais e mundiais e de atenuar os efeitos do aumento do preço do petróleo. Em 2003, por exemplo, o Brasil tornou-se um importante ator no cenário de biocombustíveis, em função do lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel. A aposta nos biocombustíveis provocou um aumento no preço das commodities agrícolas, que, por sua vez, fez despertar o interesse a nível global por terras agricultáveis. Vale lembrar: este cenário acontece junto com as crises hídrica, energética e climática e as crescentes preocupações com a segurança e a soberania alimentar das nações, questões cada vez mais presentes nos noticiários, nas agendas nacionais e na vida cotidiana das populações. Por fim, temos os desdobramentos da enorme instabilidade provocada pela crise de 2008. Dentre eles, destaca-se a reorientação de parte dos investimentos financeiros em direção a mercados e opções mais seguras, mais transparentes, menos alavancadas e mais associadas a ativos reais e efetivamente produtivos.

Img 3 Uma fazenda no estado de Mato Grosso no cerrado e a vasta savana à beira da floresta tropical amazônica que está sendo destruida para expansão agrícola. Imagem Marizilda Cruppe para The New York Times

Dados do estudo publicado em 2010 pelo Banco Mundial[3] – e as motivações para o envolvimento do Banco no assunto merecem destaque em si – a respeito da recente corrida global por terras (global land rush) nos permitem dimensionar o fenômeno. Antes de 2008, a comercialização de terras crescia em média 4 milhões de hectares por ano; entre 2008 e 2009, a demanda cresceu e mais de 56 milhões de hectares agrícolas foram comercializados, sendo mais de 70% concentrados na África.

[3]  BANCO Mundial. Rising global interest in farmland: Can it yield sustainable and equitable benefits? Washington D.C., 2010. Disponível em http://siteresources.worldbank.org/DEC/Resources/Rising-Global-Interest-in-Farmland.pdf

Na realidade os números e as estatísticas relativas ao que alguns chamam de global land rush e outros de land grabbing são controversos. Eles espelham tanto a falta de precisão e de domínio das nações sobre seus territórios, quanto os próprios interesses em jogo no sentido de inflar os mercados de terras, com a consequente geração de maiores lucros para os investidores.

A conjugação desses acontecimentos teve influência sobre o preço das commodities e, consequentemente, das terras pela perspectiva da relação entre oferta e demanda. Contudo, alterações na estrutura de regulação das economias – em especial dos Estados Unidos – desde os anos 1980 também tiveram papel decisivo nesse processo. A complexidade da formação dos preços das commodities hoje reflete as condições e os custos de transporte, armazenagem, financiamento, a atuação de grandes empresas no processamento e na comercialização, bem como as oscilações presentes nos mercados de precificação futuros.

Questão fundiária em tempos de desregulamentação do capital

A entrada do mega investidor inglês George Soros no mercado agrícola é talvez o exemplo mais emblemático da relação capital financeiro-terras. Dentre sua enorme carteira de participações, Soros é o principal acionista da empresa AdecoAgro, produtora de alimentos e de energia renovável, nascida em 2002 na Argentina e presente no Brasil desde 2004.

As informações acerca dos riscos e retornos das opções de investimento são decisivas para a montagem das carteiras, que hoje são como verdadeiros mosaicos de ativos financeiros. É aí que se apresenta uma distinção fundamental entre a dimensão especulativa fundiária urbana e rural. Na medida em que é fator de produção, mas também atua como reserva de valor, a terra cria riqueza por meio de um processo de apreciação passiva (especulativo). Isto lhe confere, simultaneamente, características de ativo produtivo e financeiro. Diferentemente das propriedades fundiárias urbanas, que respondem pelas localidades das atividades produtivas, o caso dos imóveis rurais dificulta separação entre o valor de uso e o valor de troca.

Img 4 George Soros, por Marcellus Drilling 

Por tudo isso, ao invés de contrariar a lógica de curto prazo – dos retornos trimestrais aos acionistas que vem ditando o ritmo da economia global desde os anos 1980 –  os investimentos em terra foram incorporados a ela e devem ser vistos como parte desse processo[4]. Isto é, não há evidências de que a financeirização esteja sendo freada pelos investimentos em terra, mas, ao contrário, de que os mercados de terras estejam sendo incorporadas à sua órbita. Os mercados de futuros, operações de securitizações (hedgings) já são o cotidiano do comércio das safras de commodities agrícolas a nível global.

[4]  Fairbairn, Madeleine. ‘“Like Gold with Yield”: Evolving Intersections between Farmland and Finance’. The Journal of  Peasant Studies, 41 (5): 777–95, 2014.

Cabe ainda destacar que a movimentação do mercado de terras transcende a produção agrícola stricto senso. A interrelação dos cultivos agrícolas com as demais atividades da cadeia agroalimentar atrai atores, interessados, por exemplo, na produção de maquinário agrícola, agrotóxicos, bem como no desenvolvimento de infraestrutura em geral, como as estradas, hidrovias, os galpões de armazenagem, etc. Cada vez mais são atraídos para o campo investidores ligados aos a) capitais do próprio setor do agronegócio; b) capitais de setores sinérgicos e convergentes no agronegócio; c) capitais não tradicionais no agronegócio como empresas de petroquímica, automobilística, logística e construção; d) capital imobiliário em resposta à valorização das terras; e) Estados ricos em capital, mas pobres em recursos naturais; f) fundos de investimento; g) empresas de promoção de serviços ambientais; h) empresas de mineração e prospecção de petróleo[5].

[5]  WILKINSON, John, REYDON, Bastiaan e Di SABBATO, Alberto. Concentration and foreign ownership of land in Brazil in the context of global land grabbing. Canadian Journal of Development Studies/Revue canadienne d’études du développement. Vol. 33, no. 4, 2012, p. 417-438.

Diante de tudo isso, mais do que especular se o mercado de terras está superaquecido, nos importa saber que ele está aquecido. A relação cada vez mais consolidada e dependente entre mercado de terras, agricultura e capital financeiro tem produzido, por um lado, consequências dramáticas para as populações camponesas e para as condições de segurança e soberania alimentar das nações; e por outro, tem contribuído para a geração de lucros exorbitantes com operações especulativas que alimentam o moinho satânico de acionistas e agentes do mercado nas grandes praças financeiras mundiais.

Img 5 Infográfico produzido pelo Indisciplinar. Fonte FAIRBAIRN

Luiza Dulci

Economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ). Conselheira da Fundação Perseu Abramo.

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Relato – oitiva Marcio Lacerda

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Câmara Municipal de Belo Horizonte ouve a população e instala CPI

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Comissão Parlarmentar de Inquérito apura possíveis irregularidades nas atividades da PBH Ativos.

por Eulália Alvarenga

Economista, Militante do movimento Auditoria Cidadã da Dívida


 

Desde 2014 vimos denunciando aos órgãos de controle (MP, TCE dentre outros) a transferência de patrimônio público do Município de Belo Horizonte para a sociedade anônima PBH Ativos e a total falta de transparência nas suas operações, ferindo a Constituição Federal-CF, a Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF e mesmo a sua Lei de criação. Essa empresa foi estruturada para operacionalizar as Parcerias Público-Privadas-PPP’s ( das UMEI’s, Hospital do Barreiro, parques, cemitérios, estacionamento, etc.) Felizmente, no mês de maio de 2017, foi instalada na Câmara Municipal de Belo Horizonte uma CPI para investigar as atividades da PBH Ativos S/A. Essa empresa, criada na administração Lacerda, se diz independente do Tesouro Municipal e um dos nossos questionamentos diz respeito a essa afirmação.

O capital inicial em 2011, bancado pelo Município, foi de R$ 100 mil. No final de 2014 estava em quase R$ 282 milhões, aumentou em 2.810 vezes em pouco mais 3 anos. Isso deveu a transferência de patrimônio público para essa S/A.

Foram transferidos créditos “carimbados” do Programa de Recuperação Ambiental de Belo Horizonte – DRENURBS, cujo objetivo é despoluição dos cursos de água, combate a riscos de inundação, entre outros, em flagrante desvio e finalidade de recursos. Este repasse (vai até 2031) vem das negociações com a COPASA, no início dos anos 2000. Os valores corrigidos, em 2013, eram de R$ 224 milhões e foram principalmente para a PPP do Hospital do Barreiro, segundo documentos preliminares. Outro aporte foi a transferência de 53 imóveis – apesar de Lei autorizativa da Câmara Municipal – sem  nenhuma transparência e discussão com a sociedade. Consta da Lei que os imóveis foram transferidos pelo valor mínimo. Por que valor mínimo? Como se chegou ao valor tão abaixo do preço de mercado? Esses imóveis seriam necessários para algum equipamento municipal como escola, parque, posto de saúde, etc.? E por último “cessão” de créditos tributários parcelados (R$ 880 milhões)  para lastrear emissão de debêntures  (R$230 milhões) em parceria com o Banco BTG Pactual S/A. O Município dá garantia total a PBH Ativos S/A, ao Banco BTG Pactual e aos debenturistas. Essa “cessão” está em desacordo com a CF, a  LRF e onera gestões e  gerações futuras. O que se vê é uma estrutura paralela que visa LUCRO – desestrutura a administração direta, não controlada pelos cidadãos mas por um pequeno número de pessoas com seus interesses particulares. Esperamos que a CPI instalada na Câmara Municipal de Belo Horizonte possa trazer para toda a sociedade de Belo Horizonte respostas aos questionamentos já postos em todos documentos produzidos.

Nota editorial

No dia 28/07 foi concedida uma decisão liminar, ou seja, provisória, que suspende a CPI que investiga a PBH Ativos S/A. A decisão foi concedida a partir de um pedido do ex-Prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, alegando não ser “possível permitir que dois vereadores que já têm pré-julgamento formado acerca da questão e que têm interesse particular da investigação dos fatos relacionados à PBH Ativos estejam entre os membros da CPI”.

Ambos Vereadores Gilson Reis e Pedro Patrus compartilharam em suas páginas notas à imprensa a respeito da suspensão e da ação do ex-Prefeito. O coletivo Somos Todos Contra a PBH Ativos apurou, a partir de um áudio publicado pelo Vereador Mateus Simões, que em uma reunião Márcio Lacerda estaria disposto a criar um “fato político” para atacar os vereadores que comandam a CPI.

Saiba Mais:
nota patrusnota gilsonáudio Lacerdasomos todos contra | Frente de Ação Financeirização do Indisciplinar

CONVIDAMOS TODAS E TODOS A COMPARECEREM A CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE NA PRÓXIMA SEXTA-FEIRA PARA COBRAR DE NOSSOS VEREADORES UM POSICIONAMENTO SOBRE A SUSPENSÃO DA CPI DA PBH ATIVOS S/A!

A pedido do ex-Prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) suspendeu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que tem, ao longo dos últimos meses, apurado potenciais irregularidades envolvendo a PBH Ativos.
A decisão, de caráter limiar, ou seja, provisório, foi concedida no dia 28/07, gerando grande controvérsia e inquietação popular.

NÃO PODEMOS ACEITAR DE BRAÇOS CRUZADOS UMA AÇÃO POLÍTICA DO MÁRCIO LACERDA CONTRA A TRANSPARÊNCIA DE INFORMAÇÕES E A AUTONOMIA DA CÂMARA!

#QuemTemMedoDaCPI?
#PBHAtivosPraQue?
#PBHAtivosPraQuem?

CONCENTRAÇÃO: 14h
LOCAL: Câmara Municipal de BH
(Av. dos Andradas, 3100 – Santa Efigênia)

https://www.facebook.com/events/1131623403648979/?ti=icl

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Os corpos que aqui queimam, também queimam como lá: a emblemática tragédia da Grenfell Tower em Londres

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Os incêndios como forma de expulsão criminosa de populações vulneráveis em áreas de interesse financeiro.

Imagem London News Pictures

O Indebate tem a enorme satisfação de publicar uma série de reportagens do professor Edésio Fernandes, produzidas especialmente para o Blog, analisando as políticas habitacionais e o direito à cidade a partir de Londres, onde reside atualmente, e sua relação inquietante com os processos de mercantilização da moradia no Brasil e demais países do Sul-global. Curta nossa página no facebook e acompanhe a série.

No primeiro texto, o professor Edésio Fernandes denuncia as causas do incêndio na torre Grenfell Tower que levou mais de 80 pessoas a morte, em sua maioria negros e imigrantes. Essa tragédia-crime, que gerou enorme comoção na população londrina, evidencia a crise da moradia social na Inglaterra e o tratamento perverso dado aos imigrantes e aos mais pobres. O artigo nos oferece o contexto histórico da política habitacional em Londres a partir da década de 1960 até sua crescente financeirização iniciada no governo Thatcher, que resultou no aumento dos alugueis e a diminuição das oferta de moradia social que agrava as desigualdades socioeconômicas até os dias de hoje.

Edésio Fernandes é jurista e urbanista, professor, pesquisador e consultor internacional especializado nas dimensões jurídicas dos processos de desenvolvimento urbano. É membro da DPU Associates e da Teaching Faculty do Lincoln Institute of Land Policy, professor associado com Tulane University, NYU e outras universidades, além de trabalhar regularmente para UN-Habitat e organizações governamentais e não-governamentais em diversos países. Fundou e coordena o IRGLUS-International Research Group on Law and Urban Space.

Era tarde da noite do dia 14 de junho de 2017 quando um incêndio começou em um dos apartamentos do conjunto habitacional Grenfell Tower, no distrito de Kensington and Chelsea, no oeste de Londres. Aparentemente causado por uma falha elétrica em um freezer doméstico, o incêndio logo se espalhou por toda a torre de 24 andares e 129 apartamentos, causando, de acordo com os primeiros relatórios, a morte de pelo menos 80 pessoas e ferimentos em outras 70. As matérias de TV e reportagens de jornais sobre o incêndio têm mostrado claramente quem eram os residentes: na sua maioria, negros, muçulmanos, estrangeiros, pobres… Em especial, havia há décadas no edifício uma sólida comunidade de imigrantes marroquinos.

De acordo com dados mais recentes da polícia, cerca de 350 pessoas estariam na torre nessa noite trágica e pelo menos 255 teriam escapado. As autoridades dizem que os números são incertos especialmente porque muitos dos residentes estariam em condição de imigração ilegal e os sobreviventes têm receio de se identificarem, embora o governo nacional tenha prometido uma anistia de um ano; muitos dos apartamentos estariam superlotados, diversos teriam sido sublocados e, portanto, não haveria maior controle sobre seus ocupantes; e a violência do incêndio estaria impossibilitando a identificação precisa dos restos humanos encontrados.

A intensidade e a rapidez com que o fogo se propagou chocaram a todos: o que normalmente seria um incêndio controlado, confinado e repercutindo somente em um ou dois apartamentos do edifício, logo consumiu toda a torre de 67 metros, com enormes labaredas se espalhando lateral e verticalmente. Muitos dos residentes estavam dormindo e quando perceberam o incêndio já mais não conseguiram sair; outros morreram porque obedeceram as instruções iniciais dos bombeiros de ficarem em suas casas, o que seria o procedimento normal se o fogo não tivesse sido tão absurdamente voraz.

As ações dos bombeiros, ainda que verdadeiramente heróicas, mostraram as limitações desse serviço público, que tem sido especialmente afetado pelos cortes de despesas resultantes dos anos de política de austeridade: os equipamentos levaram cerca de meia hora para chegar, as escadas somente chegavam ao décimo andar, faltou água, etc.

As investigações logo determinaram que o edifício não obedecia uma série de normas de segurança contra incêndio, sendo que as reportagens também têm mostrado que os moradores há anos têm reclamado do descaso do governo local e da agência que administra o conjunto, especialmente quanto à falta de manutenção adequada da torre. Ficou logo evidente, contudo, que a principal razão para a violência do incêndio foi a utilização de um tipo de material de revestimento no ano passado, como parte de um projeto de “regeneração” desse e outros conjuntos habitacionais, em Londres e em outras cidades inglesas, com o duplo objetivo de garantir maior eficiência ambiental aos edifícios e embelezar as construções. Em boa medida, as torres foram repaginadas, reformadas e embelezadas, para atender à demanda dos moradores mais privilegiados da vizinhança, que há tempos reclamavam do impacto das torres feias e malcuidadas – e sua população pobre – na vida dos bairros e especialmente nos preços dos seus imóveis. Esse foi certamente o caso em Kensington and Chelsea, distrito que concentra os grupos socioecônomicos mais ricos do país – e os imóveis mais caros.

a principal razão para a violência do incêndio foi a utilização de um tipo de material de revestimento no ano passado, como parte de um projeto de “regeneração” desse e outros conjuntos habitacionais

Contudo, sabe-se agora que o material usado para tal revestimento era altamente inflamável, sendo que, dentre os materiais semelhantes considerados, o que foi escolhido era o mais barato e o de pior qualidade. As primeiras análises indicaram também que os construtores e empreiteiros envolvidos nos projetos de regeneração ignoraram uma série de outras medidas de precaução contra incêndio. Desde então, testes de segurança contra incêndio foram realizados nesses conjuntos que tinham recentemente sido modernizados com esse mesmo tipo de revestimento, em Londres e outras cidades inglesas – e todos falharam. Em um distrito do norte de Londres, Camden, cerca de 4.000 pessoas foram evacuadas de seus apartamentos sem aviso no final da tarde para a execução de obras de remoção desse revestimento, tendo sido levadas para precários centros comunitários ou hotéis.

Até o momento, ninguém assumiu responsabilidade pelo incêndio. Os arquitetos das empresas contratadas dizem que sugeriram outro material não inflamável, mas que não são eles que decidem, sendo que há dúvidas quanto à legalidade ou não do material utilizado. Os planejadores urbanos do governo local dizem que não têm nada com isso porque os serviços são terceirizados. Os peritos encarregados de monitorar as obras – e que foram 16 vezes na Grenfell Tower durante a reforma – dizem que não podem garantir que o que eles viram é o que de fato foi colocado pelas construtoras. Os empreiteiros dizem que são forçados a escolher o material mais barato por conta das pressões da agência, resultado de PPP, que cuida dos imóveis do poder público. Arquitetos, engenheiros, peritos, burocratas…ninguém é responsável. Contudo, pelo menos neste primeiro momento, a pressão social tem sido no sentido de que a tragédia seja tratada como um homicídio coletivo culposo.

Fig.1 Natalie Oxford – Wikipedia

A busca pela identificação de causas e restos mortais continua, mas já são muitos os elementos que indicam que, para além de ser um evento trágico e/ou crime isolado, o incêndio da Grenfell Tower em Londres é a expressão muito concreta, e profundamente dolorosa, das mudanças sociopolíticas na Inglaterra nas ultimas três décadas, especialmente no que diz respeito ao tratamento das necessidades e direitos de moradia social dos mais pobres e mais vulneráveis. Tanto abandono, descaso, negligência, imperícia e incompetência se dão e se explicam no contexto mais amplo da questão da moradia no país – e da profunda crise da moradia social que tem afetado esses grupos sociais.

A Grenfell Tower era uma das muitas torres semelhantes, além de outros conjuntos habitacionais de menor porte, construídas no bojo das ações do Estado de Bem-Estar Social constituído no período pós-guerra nessa região de Londres – Notting Hill Gate/Lancaster Road -, que até os anos 1980 passou por um processo de declínio econômico. O mesmo aconteceu em outras partes mais pobres da cidade, especialmente no Sul e no Sudeste. Nesse período, além dos ingleses desempregados/mães solteiras/pessoas vulneráveis/idosos desamparados, o governo também precisava solucionar a questão da moradia dos imigrantes, cujos números estavam crescendo. No primeiro momento, o governo facilitou especialmente a vinda dos negros caribenhos para que pudessem trabalhar principalmente nos serviços públicos de saúde e transporte, e muitos se localizaram nesse bairro – razão da criação em 1966 do hoje internacionalmente famoso Notting Hill Carnival. Muitos dos conjuntos habitacionais na região foram construídos em lotes vazios, ao longo de vias férreas e estradas, ou então em lugares onde as bombas alemãs tinham destruído as casas originais. Para uma cidade que não tinha até recentemente a tradição da construção verticalizada, as torres se destacavam no horizonte – e incomodavam muita gente.

A Grenfell Tower foi projetada no final dos anos 1960 e construída no começo dos anos 1970, inicialmente com 120 apartamentos. Com o tempo, novos grupos de imigrantes chegaram, vindos especialmente das antigas colônias inglesas, e o bairro se tornou cada vez mais multicultural – ao mesmo tempo em que passou por um processo acentuado de gentrificação, atraindo famílias mais ricas e determinando o aumento vertiginoso dos preços de imóveis. Começaram a surgir as tensões entre grupos de moradores, inclusive quanto aos impactos socioambientais, urbanísticos e de vizinhança do Notting Hill Carnival.


Nos anos 1980, como parte do crescente movimento neoliberal que propunha a redução do aparato estatal, a ênfase na propriedade privada e o reconhecimento de direitos individuais, Mrs. Thatcher lançou a política de privatização do estoque habitacional público, permitindo que moradores que pagavam aluguel social pudessem comprar os imóveis em que moravam. Muitos os fizeram, e grande parte desses apartamentos construídos nas décadas anteriores passaram para o mercado imobiliário, sendo que muitos desses apartamentos foram alugados e/ou sublocados. Contudo, parece que a Grenfell Tower não passou por processo significativo de privatização, o que significa que seus moradores ainda são sobretudo “inquilinos sociais” do governo local.

Por um lado, com a crescente financeirização do mercado imobiliário londrino e sua plena integração no mercado global, o número de imóveis vazios em áreas centrais tem crescido rapidamente, muitos deles de propriedade de fundos de investimento e/ou companhias baseadas em paraísos fiscais. A pressão por novas construções tem tido diversas expressões, dentre elas um movimento impressionante de verticalização, com mais de 400 torres sendo construídas em Londres no momento; ampliação da oferta dos imóveis de luxo; redução do tamanho dos apartamentos para a classe média; pressão por desregulação da ordem urbanística e ambiental, inclusive para construção nos cinturões verdes da cidade.

Por outro lado, com o crescimento recorde do mercado de aluguéis, a superlotação de imóveis tem convivido com o aumento das práticas ilegais de conversão em quartos de unidades precárias como garagens, além das novas construções ilegais nos quintais das casas. Ao mesmo tempo, o investimento na construção de novos conjuntos habitacionais caiu drasticamente nesse bairro, em Londres e no resto do país. Por toda parte, aumentaram as desigualdades socioeconomicas, aumentou a demanda por moradia social, aumentou a imigração – e diminuiu a oferta de moradia social, juntamente com uma série de outros serviços públicos e benefícios sociais. Governos locais como os dessa região têm há anos colocado famílias em pensões e/ou pequenos hotéis, na expectativa de que elas se mudem para outras partes da cidade – ou mesmo para outras cidades. O valor do aluguel dos imóveis tem aumentado sistematicamente, e os benefícios estatais têm caído na mesma proporção.

Por toda parte, aumentaram as desigualdades socioeconomicas, aumentou a demanda por moradia social, aumentou a imigração – e diminuiu a oferta de moradia social, juntamente com uma série de outros serviços públicos e benefícios sociais.

Fig.2 Getty images

Para piorar, há alguns anos o governo Conservador lançou a infame “bedroom tax”, a cobrança pelo uso de espaço físico nos apartamentos dos conjuntos habitacionais, sinalizando claramente que, diferentemente do que se pensava, o direito de moradia não era por prazo indeterminado e nem era para ser necessariamente exercido no mesmo local, assim obrigando famílias a saírem de seus apartamentos – com frequência, para outras cidades. Nos últimos anos, muitas das torres do pós-guerra, semiprivatizadas ou totalmente privatizadas, foram demolidas e substituídas por edifícios modernos e caros. Uma pesquisa ainda está para ser feita sobre o que aconteceu com os antigos moradores: para onde foram?

A tragédia-crime da Grenfell Tower doeu fundo nos londrinos e as manifestações de apoio e ajuda certamente foram muito comoventes; dentre outras iniciativas coletivas, a gravação dos artistas famosos em prol dos sobreviventes logo foi para o primeiro lugar da lista das músicas mais vendidas. Nesse clima de enorme emoção, muitos acreditaram que esse episódio tão lamentável seria um marco-divisor para a promoção de mudanças profundas das políticas públicas no país, especialmente as políticas de moradia social. Passada a comoção inicial, contudo, tem ficado evidente que a solidariedade humana tem prazo de validade curto. Poucos dias depois, os moradores do edifício luxuoso onde o governo local tinha comprado alguns apartamentos – que estavam vazios há meses – para neles abrigar dezenas das famílias de sobreviventes começaram a protestar, alegando que os valores de seus imóveis estariam sendo depreciados. O hotel onde algumas famílias tinham sido alojadas as despejou dizendo que não tinha mais vagas.  Cerca de 15 famílias de sobreviventes, apenas, aceitaram as ofertas de relocalização feitas pelo governo local, porque não são na mesma região e não são adequadas, sendo que elas temem que essas soluções temporárias se tornem definitivas – com a tragédia sendo usada para remover de vez os moradores indesejados, já que, a julgar pelo que tem acontecido por toda parte, o novo edifício a ser construído no lugar da torre destruída estará além de suas possibilidades econômicas. Nos últimos dias, um influente politico do Partido Conservador tem tentado usar da tragédia para forçar a mudança da rota do Notting Hill Carnival, assim satisfazendo o desejo antigo da comunidade rica que mora no bairro.

A carcaça da torre queimada continua dominando o horizonte do oeste de Londres e chocando quem a vê, revelando de forma escancarada a natureza cruel da sociedade inglesa contemporânea que tem negligenciado e cada vez mais abandonado seus pobres e vulneráveis, condenados a viverem de maneira cada vez mais precária – e a morrerem nessa horrível fogueira humana.

De fato, têm sido muitas as comparações com as condições encontradas por Engels nos seus estudos durante a Revolução Industrial no país. Se tantas mortes servirão pelo menos para mudar o rumo do tratamento da questão da moradia, só o tempo dirá – mas, infelizmente os sinais não são muito animadores. O risco é de que, uma vez demolida a torre, a memória dos mortos fique ainda mais difusa, e a lembrança da tragédia se torne algo remoto e abstrato para muitos, um sonho ruim que passou.  

Fig.3 European Pressphoto Agency

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